2 setembro 2022 16:31

Maria Antónia Siza (1940-1973) deixou uma obra surpreendente, ainda pouco conhecida e quase nada estudada. Meio século depois, Serralves abre as portas para o mundo de Tótó
2 setembro 2022 16:31
O silêncio, a ausência, a inatividade, podiam durar semanas. Meses, até. De repente, a partir de um nada aparente, começava a desenhar. Intensamente. Sem rede. Sem programa. Sem fronteiras. Acontecia-lhe o desejo do desenho. As folhas em branco ficavam prenhes de sedução, ironia, sarcasmo, humor, revolta, erotismo, alegria. Sempre com uma profunda noção de feminilidade. Segurava a pena fina, abria o frasco de tinta nanquim e partia. Viajava por mundos outros. Criava universos paralelos. Oníricos. Por vezes violentos. Os corpos amontoavam-se. As formas distorciam-se. Os desenhos sucediam-se. Havia uma voragem feita urgência de desenhar. De preferência à noite. Aquela mão, aqueles olhos, aqueles sentidos despertos tornavam-se imparáveis. Desenhava com a segurança de quem parecia treinar o tempo todo. Apesar daqueles intervalos de vazio. Desenhava até a exaustão. Dez, vinte, trinta desenhos num serão. A tentativa e erro eram o próprio desenho. Nasciam de um traço só. Se um não lhe agradava, amarrotava-o, atirava-o para o chão sem qualquer angústia existencial. De quando em vez, Álvaro Siza recuperava alguns. Um ou outro, recolhido por amigos e depois passado a ferro para ser alisado, estará na exposição “Maria Antónia Leite Siza, 50 Anos Depois”, com inauguração agendada para quinta-feira, dia 8, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, onde permanecerá até fevereiro do próximo ano.
Tótó, como durante algum tempo assinou e como era nomeada pelos mais próximos, revelava uma prodigiosa capacidade inventiva. Não obstante uma existência tão fugaz como um corpo celeste, deixou centenas de desenhos, linóleos, um ou outro quadro a óleo. Em vida expôs uma única vez, na cooperativa Árvore, no Porto, em 1970. Só 32 anos depois a sua obra volta a ter visibilidade pública, com uma segunda mostra de desenhos, de novo na Árvore e depois no Círculo de Belas Artes, em Madrid.