2 setembro 2022 21:15

Foi em 1926 que o ditador lançou a semente da trindade “Deus, Pátria e Família” num discurso enxuto de 50 palavras
A exposição “Adeus Pátria e Família” celebra os primeiros 40 anos da descriminalização da homossexualidade em Portugal, reconhecendo o caminho de resistência até à conquista de direitos
2 setembro 2022 21:15
Em 1926, e num discurso que estabelecia o “conforto das grandes certezas”, Salazar afirmou a indiscutibilidade de “Deus” e “da virtude”, da “família e da sua moral”, “da autoridade e do seu prestígio”. De uma só vez, num texto com pouco mais de 50 palavras, o ditador lançou a semente da trindade “Deus, Pátria e Família” que definiria o seu longo regime. Quase 100 anos depois desse discurso, proferido em Braga, a 28 de maio de 1926, Portugal tem uma das legislações mais avançadas do mundo em matéria de igualdade e de não descriminação com base na orientação sexual e na afirmação de género. Mas destes 100 anos, apenas 40 — muitos menos do que os da democracia — foram, de facto, vividos sem descriminalização da homossexualidade; e apenas quatro com consagração legal de autodeterminação de género. A batalha contra a repressão tem sido longa e difícil, e não está acabada, mesmo em democracia, porque a experiência da vida quotidiana nem sempre respeita as regras estabelecidas na legislação.
Defender um modelo de família diferente do modelo católico, patriarcal, com o poder concentrado na figura masculina, que a ditadura impôs, e uma existência que se afirme fora dos ditames da heteronormatividade exige um esforço que está para lá das leis. Uma mudança de mentalidades, para a qual a exposição “Adeus Pátria e Família” quer contribuir ao traçar o percurso que nos trouxe aqui. “Revelar, nomear e dar visibilidade” a esta longa batalha contra um modelo único e opressor é um dos objetivos das curadoras, Rita Rato, diretora do Museu do Aljube, e Joana Alves, do departamento da comunicação. Três verbos que pretendem facilitar a reflexão e promover a discussão na sociedade e nas suas pequenas esferas, como a pessoal, a familiar ou a profissional. Na exposição que pode ser vista no Museu do Aljube, o desenho de Ricardo Carvalho recorre a um único dispositivo para suporte dos documentos apresentados de forma cronológica e linear, a um tecido de cortinado que significa a tensão entre a ocultação e a visibilidade dos que fogem à heteronormatividade, dos que querem escolher corresponder ao que são.