Apesar do enorme impacto na sociedade portuguesa — esteve na base da mudança de um regime político, nada menos —, a Guerra Colonial não tem grande relevância na nossa cinematografia. Os dedos da mão chegam? “Um Adeus Português” de João Botelho (1985), “A Costa dos Murmúrios” de Margarida Cardoso (2004), “20, 13” de Joaquim Leitão (2006), “Cartas da Guerra” de Ivo M. Cardoso (2016), isto sem contar com “‘Non’ ou a Vã Glória de Mandar” de Manoel de Oliveira (1990) em que a guerra de África era apenas mais uma que, de Viriato à batalha de Toro e a Alcácer Quibir, Portugal perdera ao longo da História. Agora ela volta, em “Nação Valente” de Carlos Conceição. E volta em modo fantasma.
Entendamo-nos: existe ainda, encapsulado no corpo português, o quisto purulento da Guerra Colonial e da perda do Império? É um tumor a extirpar ou uma assombração a pedir esconjuro? Não tenho resposta para estas perguntas, é isso, contudo, o que está firmado na genética da primeira longa-metragem de Carlos Conceição, toda construída como um baile de espectros, a urgir um vendaval, um ar livre, que os dissipe. E ousando ser um filme-metáfora.
Estejamos atentos: “Nação Valente” não pede uma leitura de primeiro grau e quem a pratique defenetrará o que nele há de mais essencial. Pelo contrário, pede uma leitura com distância, uma leitura que veja que nativos vestidos daquela forma, soldados solitários em repouso do guerreiro, fardas fora de todos os regulamentos e cabelos que qualquer graduado castrense puniria, sem apelo nem agravo, com corte à máquina zero, são flâmulas que o realizador agita para sinalizar um modo de olhar.
Aquele grupo de combate não é o Exército Português em missão de soberania na Guerra Colonial. É um conjunto de almas que vagueiam à espera de apaziguamento, um grupo de homens que só uma mulher pode salvar, uma dor que não mata, nem serena, faz endoidecer.
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