Cinema

Entre a fama e a infâmia do dia de estreia em Portugal de "O Último Tango em Paris"

7 abril 2023 11:18

“Este é um filme sobre o qual as pessoas hão de discutir, enquanto filmes houver”, escreveu Pauline Kael, na “New Yorker”, em 1972. Tinha razão. Aqui estamos nós, 50 anos depois, com “O Último Tango em Paris”

7 abril 2023 11:18

stava amena e sem vento a noite de 8 de agosto de 1974, em Lisboa. Normal, numa época do ano em que as temperaturas facilmente ultrapassam os 30 graus Celsius como nesse dia tinha acontecido. Na Avenida da Liberdade uma fila enorme subia o passeio até lá acima, na direção do Hotel Tivoli. Esperávamos, pacientes, o momento de entrar no cinema São Jorge. Lotação esgotada: diziam os avisos na bilheteira, aliás anunciados nas carteleiras dos jornais desse dia. A imponente sala que a Rank fizera inaugurar em 1950, Prémio Valmor de arquitetura, a primeira das “grandes catedrais” do cinema (como lhe chamou Margarida Acciaiuolli), era uma das maiores do país — 1827 lugares, divididos entre plateia, balcão de luxo, balcão central e balcão superior — antes de, em 1982, a terem retalhado nas três partes em que, agora, jaz. Estávamos pois, muitos, nessa noite em que se estreava, em Portugal, “O Último Tango em Paris”, de Bernardo Bertolucci.

Foi um dia importante — ficou na História: o Presidente americano Richard Nixon demitiu-se, no culminar do Caso Watergate, escândalo que, por acaso, até daria um filme — “Os Homens do Presidente”— a estrear, em 1977, no cinema do outro lado da rua. Para mim, todavia, ir ver a obra de Bertolucci era mais relevante do que a demissão do infame inquilino da Casa Branca. Porque era mais um passo em frente na prática de uma coisa nova com que ainda não sabíamos bem como lidar por inteiro: a liberdade. Era por isso que os cartazes exibiam aquele aviso ao público, depois a fazer escola e, a espaços, escárnio: “Este filme contém cenas eventualmente chocantes”, assinado Direção dos Serviços de Espetáculos. A censura tinha acabado logo a seguir ao 25 de Abril, podíamos ver todos os filmes, sem cortes, sem limitações. “O Último Tango em Paris” era mais um, de produção recente, que os guardiões da moral, dos bons costumes e da ordem pública nos tinham proibido. E não era um qualquer.