Cinema

Cinema: Em “Pacifiction”, Albert Serra expõe o poder do mundo à deriva

10 março 2023 19:17

Albert Serra partiu para este filme influenciado pela leitura da autobiografia de Tarita Tériipaia, taitiana e terceira mulher de Marlon Brando

“Pacifiction” segue um alto-comissário francês na Polinésia onde rumores falam da retomada de testes nucleares. É uma fábula sobre a paranoia e um filme incomparável, como todos os de Albert Serra

10 março 2023 19:17

De Roller é insondável. Uma das personagens mais ambíguas de que há memória em muitos anos de cinema recente. Na Polinésia francesa, naquele Taiti em que não faltam palmeiras, camisas coloridas e banjos na banda sonora, move-se este alto-comissário como se dançasse uma balada, em impecável blazer branco de outras eras. A metrópole está a 15 mil quilómetros de distância e a personagem, supostamente, é a autoridade magna do arquipélago. Fala-se francês com os mais variados sotaques, da população local, indígena, aos estrangeiros de origens diversas que rodeiam este espaço de incertezas. O ambiente convida o ócio. À noite, o político visita umas boîtes serenas em que os corpos se tocam. Não está mal acompanhado. De Roller, de facto, não tem muito que fazer senão vaguear por aqueles paraísos. E ele lá vai ouvindo, educado, mas sem especial apreço, o que os polinésios têm a dizer da vida. Cansado como um decadentista de finais de Oitocentos, nunca faz promessas nem assume compromissos. Quem é afinal De Roller e o que esconde a sua cara? O poder que ele defende não o impedirá de exclamar às tantas que “a política é como uma discoteca”. Nem o estorva da companhia de Shannah (Pahoa Mahagafanau), a graciosa taitiana transgender que em tudo simboliza uma oposição ao Ocidente colonialista. Talvez ele sugira que o mundo se tornou demasiado paranoico e o poder opaco. Tanto que já não é possível compreendê-lo.

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.