Cinema: Charlotte Gainsbourg é “Suzanna Andler”. Este é o seu melhor e mais exigente papel em muitos anos
Benoît Jacquot realiza o drama “Suzanna Andler”, com Charlotte Gainsbourg, Niels Schneider e Nathan Willcocks nos principais papéis. O crítico Francisco Ferreira dá-lhe três estrelas
Benoît Jacquot bateu pela primeira vez à porta de Marguerite Duras com vinte e poucos anos, em 1972, estava ela a preparar “Nathalie Granger”. Ela queria alguém que a ajudasse, ele admirava-a, disse-lhe “estou disponível”. Trabalharia, de resto, naquele filme como assistente e seria de Duras o braço-direito nos dois anos seguintes, até “India Song”.
Jacquot contou-nos esta história nos encontros da Unifrance. Seguiria depois o seu próprio caminho de realizador, guardando um desejo: levar um dia ao cinema “Suzanna Andler”, texto menos representativo de Duras, escrito para teatro, e que deixara reservas à escritora (saiu em pleno maio de 1968).
Em Duras, cinema e literatura atraíam-se e testavam-se em simbiose alquimista, certos livros eram publicados a partir de filmes já feitos, numa inversão do processo que costuma existir entre uns e outros. Jacquot, pela proximidade, sabia que Duras não gostava de nenhum filme de outro cineasta feito a partir dos livros dela, salvo o “Hiroshima Meu Amor” de Resnais. Ainda assim, arriscou. “Fui visitá-la a Trouville, a seu pedido, voltei a falar-lhe de ‘Suzanna Andler’. Prometi-lhe que faria o filme que só agora acabei. Ela morreu pouco depois. Foi como se filmasse para o seu fantasma.”
“Suzanna Andler” retrata a personagem do título, mulher de 40 anos, burguesa, presa a casamento infeliz e a um marido infiel que se ouve apenas pela linha telefónica. Estamos nos anos 60. Suzanna visita uma frondosa villa da Riviera Francesa que planeia alugar para as férias de verão da família. E também ela tem um jovem amante (Niels Schneider), que a acompanha.
A incerteza afetiva da personagem, rodeada de luxo e infelicidade, a sua calma torturada e aquela ideia de vazio interior que a própria casa figura são aspetos amplamente desenvolvidos pela interpretação superior de Charlotte Gainsbourg. É o seu melhor e mais exigente papel em muitos anos, feito de vibrações e de murmúrios, de gestos contidos e de olhares de abandono — a vertigem emocional é durassiana e bem-sucedida.
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