Cinema

Um tal Martin Scorsese de Nova Iorque

11 novembro 2022 22:02

Jorge Leitão Ramos

Jorge Leitão Ramos

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Jornalista

oliver morris/getty images

Completa 80 anos a 17 de novembro. Continua a trabalhar a um ritmo incessante. Gostava de saber fazer outras coisas, mas só sabe fazer filmes e precisa disso para estar vivo. É o maior cineasta americano em atividade. Apetece mergulhar na sua obra

11 novembro 2022 22:02

Jorge Leitão Ramos

Jorge Leitão Ramos

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Jornalista

Maio de 2002, Festival de Cannes. Num evento sem paralelo, Martin Scorsese mostra, na mais nobre das salas do Palais — o Grand Théâtre Lumière —, 20 minutos do seu próximo filme, “Gangs of New York”. Rodado entre dezembro de 2000 e março de 2001, sobretudo em Roma (onde, na Cinecittà, se ergueram os impressionantes cenários concebidos por Dante Ferretti, figurando vários quarteirões da velha Nova Iorque oitocentista e uns quantos fabulosos espaços interiores), o filme estava encalhado, há mais de um ano, numa longa fase de montagem. Toda a gente conhecia o trabalho de relojoaria a que Scorsese e a fiel Thelma Schoonmaker sempre se entregavam, plano a plano, sequência a sequência, filme a filme, ao longo de uma parceria que vinha desde os alvores do realizador (“Quem Bate à Minha Porta?”, 1967). Mas falava-se em conflitos com o produtor Harvey Weinstein quanto à duração do filme, imposição de cortes, irredutibilidades. E os financiadores internacionais — distribuidores que tinham feito pré-compras — estavam a ficar impacientes. Todos os prazos tinham sido ultrapassados e nem a desculpa de estarem a atrasar a estreia por causa do trauma do 11 de Setembro convencia seja quem fosse. Para mais, tratava-se de uma grande produção de 100 milhões de dólares. A sessão de Cannes destinava-se, assim, a acalmar os ânimos.

Scorsese subiu ao palco e contou uma história. Disse que, num almoço onde também estava Billy Wilder, referira ao velho mestre a sorte que tivera quanto ao tempo em que trabalhara. Porquê? Porque Wilder fizera toda a carreira no sistema de estúdios, de produção contínua, e se um filme corria mal tinha a certeza de ir fazer outro pouco depois que correria melhor, enquanto ele, Scorsese, se falhasse um, podia nunca mais filmar. Nessa altura, virou-se na minha direção, parecia estar a falar para mim (na verdade, era para Weinstein, sentado na plateia, atrás, e no mesmo ângulo de visão). Continuou: “Sabem o que Billy Wilder respondeu? ‘E depois? Você pode fazer outras coisas na vida.’” E saiu do palco.