
Ana Sofia Fonseca apresenta um documentário centrado na “diva de pés descalços”. O crítico Vasco Baptista Marques dá-lhe três estrelas
Ana Sofia Fonseca apresenta um documentário centrado na “diva de pés descalços”. O crítico Vasco Baptista Marques dá-lhe três estrelas
Passados 11 anos sobre a morte de Cesária Évora, eis que nos chega um doc que se debruça sobre a vida e obra da “rainha da morna”. Quem o assina é Ana Sofia Fonseca, que, para levar o projeto a bom porto, desenvolveu um aturado trabalho de arquivo, compilando um vasto acervo videográfico, sonoro e fotográfico (registos de concertos e gravações em estúdio, mas também cenas da vida doméstica de Cesária).
A montagem desses materiais — que vai sendo pontuada pelos comentários em off de figuras que privaram com Cesária (o seu produtor, a sua neta...) — constitui o esqueleto do filme, que arranca naquele que pode ser considerado como o momento de viragem na carreira da “diva de pés descalços”: o início dos anos 90, em que a sua obra começou por fim a chamar a atenção do público e da imprensa internacionais. Neste quadro, o que logo sobressai é a modéstia de Cesária, que, numa entrevista realizada em 1991 na sua casa degradada do Mindelo, confessa não querer mais do que poder alojar a família numa casa nova.
Findo este prefácio, o filme tratará de retraçar cronologicamente a vida de Cesária, desde a sua precária infância até à hora da morte. Pelo caminho compõe-se o retrato de uma mulher e cantora que nunca perdeu de vista as suas origens (é deliciosa a cena em que a sua trupe transporta uma panela de cachupa para dentro do Hollywood Bowl) e que — como poucas — soube fazer orelhas moucas ao sucesso: o reconhecimento que granjeou não afetou nem a sua música nem a sua conduta.
É verdade que o filme se mostra desequilibrado quanto à gestão cronológica da narrativa (o período anterior aos anos 90 é objeto de uma análise algo apressada e superficial, talvez por força da escassez de matéria-prima), mas Fonseca consegue o que mais importa: oferecer-nos o retrato de uma diva que dificilmente poderia ter sido mais genuína e cuja voz — diz às tantas alguém que citamos aqui de memória — “vem da terra, das tripas, e não pode ser fabricada em estúdio”. Justíssimo.
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