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“Sem Deixar Rastos”: o resultado é um filme oco de gente

“Sem Deixar Rastos”: o resultado é um filme oco de gente

Jan P. Matuszynski apresenta um drama, com Tomasz Zietek, Sandra Korzeniak e Jacek Braciak nos principais papéis. O crítico Vasco Baptista Marques dá-lhe duas estrelas

Diz-nos a legenda inicial que esta segunda longa de Matuszynski assenta na livre recriação de um crime real. Trata-se daquele que, na Varsóvia de 1983, vitimou Grzegorz Przemyk: o jovem filho da poetisa anticomunista Barbara Sadowska que, após ter sido detido na rua por uma razão irrisória, foi assassinado a socos e pontapés numa esquadra da polícia local.

É com a reconstituição desse homicídio que arranca um filme invariavelmente pintado em tons pardacentos, que prescinde quase por completo da contextualização histórico-política da praxe: sabemos quais são as coordenadas de espaço e tempo da ação, mas não mais do que isso. Estamos perante uma tentativa de nos mergulhar no coração do drama que entrava a legibilidade das primeiras sequências, onde perdemos mais tempo a descodificar as personagens — e as relações pessoais e políticas que existem entre elas — do que, propriamente, a infiltrar-nos no universo que a câmara vai varrendo em longos travellings de câmara à mão.

A artificialidade e inutilidade desse gesto de abstração deixa-nos de pé atrás em relação a um filme que, daí em diante, sondará sobretudo os esforços feitos pelo governo polaco da época (personificado por um cortejo de caricaturas variadas) para abafar o crime. E, em particular, para silenciar a sua única testemunha: Jurek, um amigo de Grzegorz, à volta do qual as autoridades montam um cerco que se vai tornando cada vez mais grotesco — chegando ao ponto de chantagearem o pai de Jurek (um oficial comunista aposentado), na esperança de que ele demova o filho da sua intenção de testemunhar em tribunal.

“Sem Deixar Rastos” mostra-se competente na descrição da mecânica opressiva de um regime totalitário, mas a história que ele recupera não tem personagens que a suportem: Jurek é uma tábua-rasa — além do óbvio, nada sabemos sobre ele —, e a própria Sadowska fica reduzida a uma série de poses que oscilam entre a extrema melancolia e a afetação artística. O resultado é um filme oco de gente.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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