Em momentos muito raros, surgem filmes que trilham um caminho único, como único é “Objectos de Luz”, realizado pelo diretor de fotografia Acácio de Almeida e por sua mulher, a atriz francesa Marie Carré. O cinema português uniu este casal, em meados dos anos 80, ele a fotografar e ela a interpretar “Agosto”, de Jorge Silva Melo, que em tempos nos contou: “Depois da rodagem, aconteceu uma grande história de amor entre eles (...).
Foi um casamento que eu patrocinei!” “Objectos de Luz” vai contudo muito além da biografia deste técnico sensibilíssimo (à luz, precisamente), figura essencial na história das últimas cinco décadas do cinema português. O filme abre-se desde o primeiro instante ao “Fiat lux” das origens, com uma vontade de abraçar o Cosmos e de questionar os maiores problemas da Humanidade, quem somos, para onde vamos (“num mundo sem ti, luz, sentimos a tua falta” — e é a voz de Acácio que nos fala em off).
“Objectos de Luz” é um ato de amor feito de fragmentos de filmes, essas ‘sombras’ que, dispensando oráculos, partilham uma experiência afetiva. E são inesquecíveis as aparições de Isabel Ruth e de Luís Miguel Cintra, a chamada dos filmes de António Reis e Margarida Cordeiro, aquela espantosa evocação de Óscar Cruz da cena em que ele entrou com Maria Cabral em “O Cerco”, de Cunha Telles. Ou a candura daquele amor primitivo, ficcionado de raiz em Rio de Onor, outro local de memórias em que Acácio deu início à sua colaboração com o cinema de António Campos.
Há uma entidade misteriosa, inexplicável, que paira sobre os seres, as coisas e a audiência destes “objectos”. Atrevemo-nos a dizer que se trata da “Luz” do título — grafada assim mesmo, com letra maiúscula, no sentido mais sagrado da palavra. Luz como matéria, mas também como transcendência. Por ela passa a vida de trabalho de um técnico ímpar, a essência do cinema, a sua história e o seu passado. É um filme belíssimo, muito comovente.
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