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O que poderá vir “Das Profundezas”? Espeleólogos vão explorar uma fenda geológica sem fim

O que poderá vir “Das Profundezas”? Espeleólogos vão explorar uma fenda geológica sem fim

Michelangelo Frammartino apresenta um drama italo-franco-alemão, com Claudia Candusso, Paolo Cossi e Mila Costi nos principais papéis. O crítico Vasco Baptista Marques dá-lhe quatro estrelas

Logo no início da nova longa de Frammartino (a sua primeira desde “As Quatro Voltas”, que data já de 2010) tropeçamos numa sequência aparentemente desconexa. Estamos em 1961, numa aldeia da Calábria onde, à noite, um grupo de habitantes locais se encontra reunido ao ar livre, à volta de um ecrã de televisão, assistindo a uma reportagem sobre um arranha-céus milanês. O carácter verborreico e intrusivo dessa peça — filmada por uma câmara que vai espreitando indiscretamente pelas janelas — está, como cedo perceberemos, em nítido contraste com aquilo que Frammartino se propõe fazer.

E isso é uma docuficção minimalista e contemplativa que sabe guardar uma justa distância em relação ao que filma, abdicando quase por completo de diálogos e comentários, para permitir que o espectador descubra por si o mundo que ela recria. Esse mundo é o das montanhas calabresas, e quem nele nos servirá de guia é uma equipa de espeleólogos, chegada à região para explorar pela primeira vez uma fenda geológica que parece não ter fim.

Trata-se aqui da dramatização de um episódio verídico que, ao longo do filme, irá alternando com a história — também ela aparentemente desconexa — de um velho pastor que está às portas da morte. Na verdade, esses dois segmentos da narrativa respondem-se graças à forma como cada um deles encena uma viagem rumo ao desconhecido: a viagem (móvel e vertical) dos espeleólogos que procuram cartografar um território virgem e a viagem (imóvel e horizontal) de um homem que se prepara para abordar o ‘incartografável’.

O jogo de ecos que assim se estabelece entre o mistério físico e o mistério metafísico está, de resto, longe de ser gratuito: o seu objetivo reside na configuração de um universo não antropocêntrico, onde — sem perder a sua dignidade — o Homem se descobre reduzido às suas reais proporções (daí que a realização faça questão de colocar a palavra ao nível dos demais ruídos do mundo). Justíssimo filme.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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