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Harry Styles e Florence Pugh em “Não Te Preocupes Querida”: bem-vindos ao mundo perfeito de Victory

Florence Pugh no papel de Alice Chambers, a mulher de Jack (Harry Styles) em “Não Te Preocupes Querida”
Florence Pugh no papel de Alice Chambers, a mulher de Jack (Harry Styles) em “Não Te Preocupes Querida”

Olivia Wilde apresenta um thriller, em fundo de ficção científica, sobre uma comunidade que não é o que parece. Florence Pugh, Olivia Wilde, Chris Pine e Harry Styles são os protagonistas

Estamos instalados num lugar quimérico, uma espécie de cápsula do tempo de um certo ideal de vida americano, instituído como modelo nos anos 50. Casas espaçosas, com um jardim à frente e lugar avantajado para o inevitável automóvel, de consideráveis dimensões. Uma comunidade suburbana, segura e confortável, de casas similares e vidas tiradas (quase) a papel químico. Todos os dias de manhã, os homens saem de casa, a horas regulares, deixando as mulheres a tratar do lar, eventualmente das crianças. Depois das tarefas domésticas, empreendidas com alegria e nenhuma sensação de enfado ou rotina, as esposas juntam-se nas aulas de ballet, na piscina comunitária ou indo às compras na cidade para onde se dirigem em confortáveis transportes coletivos.

Ao fim da tarde, os maridos regressam a casa, recebem o beijo da praxe, as mulheres impecavelmente arranjadas e maquilhadas, o jantar no forno, praticamente pronto Até pode ser oportuno algum envolvimento íntimo, havendo amor a sério — e, pelos vistos, há, pelo menos no casal protagonista, Jack (Harry Stiles) e Alice Chambers (Florence Pugh), atendendo ao que um belo dia fazem, mesmo ali em cima da mesa posta que Alice desfaz em orgástico esbracejamento. Tudo está bem em Victory, a comunidade onde os homens trabalham nos escritórios da empresa Victory, as mulheres vão às compras em lojas Victory levadas por transportes Victory e os víveres e demais bens necessários ao quotidiano são assegurados por fornecimentos Victory. O médico pronto a acorrer ao mínimo problema de saúde é, evidentemente, da Victory, também. Victory fica no meio de um deserto e as pessoas não têm vontade alguma de sair do espaço onde estão abrigadas.

Em momento nenhum sabemos que empresa é essa, a fazer uma espécie de grande experiência social, apenas que pertence a Frank (Chris Pine), empresário muito rico, visionário, com aura de boneco da Mattel e um sorriso onde só falta que cintile. Também não sabemos exatamente o que fazem os homens durante a jornada de trabalho; o mais estranho é que as mulheres também não sabem. Naquele mundo de celofane e perfeição, há uma regra que todos assinaram respeitar: os maridos não falam de trabalho em casa, as mulheres não fazem perguntas a esse respeito. E, afinal de contas, o que é que isso interessa se a vida flui numa agradabilidade que a maioria dos americanos gostava de ter e não tem? O que a Victory dá é tanto — uma existência “safe and secure”, não se cansam de apregoar — e tão pouco é o que pede!

Mas, um dia, Alice principia a estranhar. Uma amiga, Margaret (KiKi Layne), começou a agir de modo errático, Alice acha que ela descobriu qualquer coisa e a Victory está a tratar… de a ‘tratar’. Para mais, um dia, passa a fronteira dos limites do território a que a população está circunscrita e vê algo que aviva as suspeitas: aquele mundo não é o que parece, conjetura um fundo sinistro, manipulador, totalitário.

“Não Te Preocupes Querida” é um filme-mistério em banho de ficção científica, terrivelmente bem aparelhado do ponto de vista dos cenários, do guarda-roupa, da criação física e mental do espaço-Victory. Até os enigmas, as assombrações que ficam sem uma ‘explicação’, um lugar arrumado na lógica da ação-consequência (como as imagens ‘busbyberkeleyanas’ dos bailados filmados em plano vertical com as dançarinas a fazer caleidoscópio a preto e branco) são estimulantes na sua opacidade imediata. A realização de Olivia Wilde é lesta, sem demasiados floreados, embora a volúpia dos planos com drone pudesse ser mais contida. Os atores cumprem (da britânica Florence Pugh a mostrar a maturidade interpretativa que lhe conhecemos desde “Lady Macbeth”, em 2016, a Chris Pine, sinistro sob a capa do mago que descobriu a poção da felicidade, do sistema que evita o caos; elo mais fraco é Harry Styles, pouco convincente quando arreda a postura do marido perfeito). Onde as coisas parecem não ter estado inteiramente oleadas é no argumento, a deixar pontas soltas um pouco por todo o filme. Sejamos benevolentes: talvez seja para terem por onde pegar, numa sequela, numa série, num qualquer seguimento a haver.

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