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Daisy Edgar-Jones já não é a Marianne de “Normal People”. Ela é “A Rapariga Selvagem”

Daisy Edgar-Jones e Taylor John Smith protagonizam o filme de Olivia Newman
Daisy Edgar-Jones e Taylor John Smith protagonizam o filme de Olivia Newman

“A Rapariga Selvagem”, adaptação do best-seller “Lá, Onde o Vento Chora”, de Delia Owens, chega esta quinta-feira aos cinemas

Se o ridículo matasse as suas testemunhas, cairíamos — fulminados — ao fim dos primeiros dez minutos desta adaptação de um best-seller de Delia Owens (“Lá, Onde o Vento Chora”). Eles são o suficiente para que se entenda o ‘projeto de higienização estética’ de um filme que começa, num registo pitoresco, com uma sequência de vistosos planos de drone sobre um sapal e com uma voz off que vai louvando os seus mistérios. Quando ela se cala, somos informados por via de uma legenda de que estamos na Carolina do Norte de 1969, para seguir os passos de uma parelha de polícias que encontram um cadáver no sapal.

Trata-se do de Chase Andrews: a jovem vedeta da equipa de futebol americano da cidade imaginária de Barkley Cove, que, como cedo perceberemos, é também um reputado playboy. Essa descoberta macabra levará os habitantes da cidade (um coro de vozes maledicentes) a urdir no vazio uma tese criminal: a de que Chase terá sido assassinado pela freak da paróquia. O seu nome é Kya Clark: uma rapariga de 25 anos que, desde há muito, vive em reclusão numa pequena casa situada no sapal — razão pela qual os seus vizinhos desdenhosamente a batizaram como “the marsh girl”. Não será preciso esperar muito para que, apoiando-se num frouxo indício (a presença, nas roupas do morto, de fibras de tecido pertencentes a um cachecol de Kya), as autoridades a acusem pelo homicídio de Chase.

É aí que a vemos pela primeira vez, esperando travar contacto, se não com a contraparte feminina de “O Menino Selvagem” de Truffaut, pelo menos com uma criatura que comportasse no corpo algumas marcas visíveis do seu isolamento. Em vez disso, o que nos sai na rifa, à laia de eremita, é uma rapariga impecavelmente vestida que, a julgar pelo seu domínio do verbo, poderia bem frequentar um curso de teoria da literatura na universidade (quem a interpreta é Edgar-Jones, que parece ter acabado de sair de uma sessão fotográfica).

A atração pelo fotogénico contaminará — ao ponto de os descredibilizar por completo — todos os elementos de um filme que, a partir daí, circulará em montagem paralela entre o presente e o passado de Kya. Isto é: entre as sessões do seu julgamento (que se limita a vincar a sua má reputação junto da comunidade) e a recriação em flashback da sua infância e juventude. O que por esse meio se tece é uma história de coming of age, que arranca com a mal-amanhada explicação da reclusão da rapariga, descrita então como a vítima de um pai alcoólico que — à força de espancamentos — obrigará a sua mulher e as demais filhas a fugir de casa (por que motivo nenhuma delas levou Kya consigo é coisa que não se esclarece).

Depois de também o pai ‘desaparecer em combate’, a protagonista ver-se-á forçada a sobreviver sozinha, concluindo depressa que a escola é terreno perigoso: ela é humilhada pelos colegas quando por lá se aventura, na única sequência em que se mostra de pés descalços e cara suja. Sobre o seu quotidiano, o filme pouco nos diz: apenas que ela vende mexilhões numa loja local, quando não está numa cabana que, excetuando alguns sinais de desarrumação, poderia passar por um alojamento turístico localizado na Comporta.

De facto, a única coisa que prende a atenção da câmara é a educação sentimental de Kyra, que — vivendo embora no meio do nada — lá arranja modo de tropeçar em dois rapazes tão fotogénicos quanto ela. É pretexto quanto baste para que a realização fabrique um sem-número de aprumadas cenas românticas (ora com o bosque, ora com o rio em fundo), que só confirmam o que já sabíamos: que “A Rapariga Selvagem” é uma ficção escapista para senhoras deprimidas, que, de selvagem, tem somente o adjetivo.

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