Culturas

O indelével traço da presença e da força divina no mundo terreno: à procura de anjos nas ruas de Lisboa

30 dezembro 2022 22:18

Ana Soromenho

Ana Soromenho

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Jornalista

Nuno Fox

Nuno Fox

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Fotojornalista

Representação Pormenor do interior da Igreja de São Roque

Indelével traço da presença e da força divina no mundo terreno, os anjos são como nuvens. São seres incontáveis, imateriais e que, um pouco por toda a Lisboa, espreitam ao virar de cada esquina, contemplando a vida dos homens

30 dezembro 2022 22:18

Ana Soromenho

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Nuno Fox

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Do frontispício da porta sul do Mosteiro dos Jerónimos, no entrelaçado das figuras esculpidas, um olhar de pedra atravessa-nos no tempo. Vínhamos à procura de um anjo. Tínhamos planeado que nestes dias do Advento iríamos dar atenção aos anjos. Com a ajuda de João Sarmento, padre e curador responsável pela galeria de arte da Brotéria — uma casa de cultura dos Jesuítas Portugueses — estabelecêramos um roteiro que nos fizesse atravessar a cidade ribeirinha à procura de figurações destes seres alados e dos homens que nos pudessem contar as suas histórias. A indicação que tínhamos era a de que a encimar o topo da porta da igreja encontraríamos a mais antiga escultura de anjo feita na fachada exterior de um edifício de Lisboa, uma das raras que sobreviveram ao terramoto de 1755. E aqui estamos nós, num dia aguado de luz cinzenta de cabeça apontada para o céu, indiferentes às centenas de turistas e de vendedores de guarda-chuva que se agrupam junto a um dos monumentos mais visitados do país.

Lá está ele. Belo e colossal como um príncipe da Renascença. Numa das mãos segura o escudo de armas do reino, na outra, agora vazia, ficou marcado o lugar da espada. São estes os atributos que simbolizam os anjos custódios protetores dos reinos entre os países de tradição católica. Em Portugal, a festa oficial de devoção ao Anjo Custódio do Reino foi instituída no calendário litúrgico em 1504, por deliberação do rei D. Manuel I, o homem que mandou construir este mosteiro criando um estilo renascentista nacional intitulado Manuelino. Para que a festa do culto se pudesse oficializar, o soberano de Portugal, um dos mais poderosos do seu tempo, teve de pedir ao Papa Leão X que autorizasse a sua realização no terceiro domingo de cada julho. Com o passar dos séculos o culto foi-se perdendo. Até ser novamente reabilitado em pleno século XX, durante o Estado Novo, precisamente dez anos depois de ter terminado a II Guerra Mundial. Passou então a ter entrada e celebração no calendário civil no 10 de junho, decretado dia de Portugal, ainda hoje feriado nacional.