21 maio 2023 9:44

Inspirou-se na realidade, mas a realidade surpreendeu-o. Giuliano da Empoli, autor do romance “O Mago do Kremlin”, premiado pela Academia Francesa e finalista do prémio Goncourt, fala do processo de escrita e do diálogo que estabeleceu com outros livros sobre a Rússia. Por estes dias é publicado em Portugal “Os Engenheiros do Caos”, o seu ensaio sobre os populismos
21 maio 2023 9:44
Quis escrever um romance que não estivesse colado à atualidade, e que a filha, ainda criança, pudesse vir a ler aos 20 anos. Algo mais intemporal que fugisse ao registo dos ensaios que assinara antes. A realidade trocou-lhe as voltas, e o primeiro romance de Giuliano da Empoli, “O Mago do Kremlin”, acabou catapultado para a atualidade. A história que este conselheiro político escreveu sobre outro conselheiro político transformou-se, de um momento para o outro, numa porta de entrada para uma possível compreensão dos fundamentos do poder de Putin, e a sua contextualização numa história mais vasta. Giuliano da Empoli, também ele conhecedor dos corredores do poder — uma vez que foi conselheiro principal do primeiro-ministro Matteo Renzi, e conselheiro sénior do ministro da Cultura de Itália Franscesco Rutelli —, inspirou-se em Vladislav Surkov, o chamado Cardeal Cinzento, um intelectual, dramaturgo, escritor, homem da comunicação e da propaganda que decidiu servir Putin, a partir do final da década de 90. Em “O Mago do Kremlin” o escritor italo-suíço desenvolveu diálogo com livros como “Cartas da Rússia”, do Marquês de Custine, ou “Nós”, de Zamiatine — o livro distópico que influenciou Aldous Huxley na escrita de “Admirável Mundo Novo”, Orwell de “1984” ou Ray Bradbury em “Fahrenheit 451”. Para escrita do livro contou também o conhecimento que o próprio adquiriu nos corredores da política italiana ou nas investigações que fez na área da Ciência Política. Criou um think tank chamado Volta, membro da rede Global Progress, e é autor de vários ensaios. O seu último livro de não-ficção (anterior ao romance) é sobre os populismos que grassam no mundo. “Os Engenheiros do Caos” (Gradiva, 2023/2019) chegou às livrarias em Portugal por estes dias. “O Mago do Kremlin” foi publicado em França pela Gallimard, em abril de 2022, e em Portugal, pela Gradiva, em novembro. O livro ganhou o Grande Prémio da Academia Francesa, foi finalista do Prémio Goncourt e há dias venceu a primeira edição do Choix Goncourt du Portugal. Esta entrevista foi feita por videochamada, no início de abril, quando ainda não era conhecida a sua vinda a Portugal, para participar nas Novas Conferências do Casino, onde, no passado dia 17, terá sido o principal orador da conferência “O Fim da Paz / A Rússia, Último Império Colonial”. Evento para o qual também estava convocado o conselheiro político (Flint Global, Londres) Bruno Maçães.
Quase todos os especialistas não previram a invasão da Ucrânia. Foi uma dessas pessoas? Não esperava a invasão?
Não. Por um lado, fiquei surpreendido com a invasão, como toda a gente. Por outro, nem tanto. Esperava que a violência aparecesse de novo, porque essa é a história do poder de Putin ao longo destes 23 anos. O que estamos a ver agora é um paroxismo de algo que sempre lá esteve, tomando diferentes formas, e é coerente com a história que tentei contar no meu romance, mesmo que essa não seja a única narrativa. A figura na qual me inspiro, Vladislav Surkov, é um manipulador que não acredita em violência, mas na manipulação, porque a considera mais eficaz do que a pura violência. O arco trágico do romance faz com que essa personagem tenha de se resignar ao facto do poder de Putin ter na base a violência; e isso, já é claro desde 2014, ou seja, desde a primeira fase da guerra da Ucrânia — altura em que a minha personagem é obrigada a aceitar que não há nada que ela possa fazer para parar essa violência.