4 maio 2023 10:08

O verão mais seco dos últimos 500 anos deixou a descoberto, em 2022, um cemitério de espingardas G3 numa albufeira do Ribatejo. Esta é a história da busca na primeira pessoa
4 maio 2023 10:08
A coronha carcomida estava enterrada na lama seca mas bem visível. Pelo menos sob a luz suave do fim de tarde e a brisa fresca que nos permitia passear. As condições idílicas contrastavam com o agosto que então terminava — e com a descoberta que estávamos prestes a fazer. Ao lado da primeira peça, camuflados pelo leito barrento do Açude do Monte da Barca, no sul do Ribatejo, alinhavam-se canos, carregadores e mais uma coronha. Um cemitério de armas revelado pelo verão mais árido dos últimos 500 anos.
O objetivo da expedição fora registar a seca. Há 42 anos que eu ia de férias para uma propriedade adjacente. Também os miúdos, então com 8 e 11 anos, conheciam a zona desde que tinham nascido. E nunca tínhamos visto nada assim. Uma albufeira de 2,5 quilómetros de comprimento, sítio classificado desde 1980 e área protegida desde 2010, reduzida a pista de areia para motos; as placas de lama estalada a evocar cenários apocalípticos; as raízes dos pinheiros-mansos, a centenas de metros de distância, a lembrar-nos que em tempos a água chegara ali. Todos os dias o nível baixava. “Alterações climáticas”, ouvíamos nas notícias. Na região, conhecida pelos arrozais, comentava-se que alguém estaria a desrespeitar a interdição de rega. Ao cabo de mais de um século alagadas, a maior parte daquelas terras voltava a emergir, e com elas os segredos do passado. Só ali estavam... quantas armas?