A Revista do Expresso

Luís Montenegro. Retrato de um matador na bola, solitário na política

7 novembro 2022 16:45

Hélder Gomes

Hélder Gomes

texto

Jornalista

POLÍTICA 1 No seu périplo nacional, iniciado em setembro deste ano, preparou e serviu uma “canja laranja” e um arroz de cabidela para cerca de 30 pessoas em Freixiosa, no distrito de Viseu 2 Num outro momento da mesma iniciativa, visitou uma vinha 3 Neste verão esteve na Festa do Pontal, em Quarteira, com Passos Coelho

Foi nadador-salvador na juventude e começou em Espinho uma carreira política que o levou à liderança parlamentar nos anos da troika e à presidência do PSD. Agora, está obrigado a construir uma alternativa à governação socialista sem deixar que os partidos à sua direita rompam a matriz social-democrata

7 novembro 2022 16:45

Hélder Gomes

Hélder Gomes

texto

Jornalista

Era o princípio de julho de 2005 quando Luís Montenegro lançou a candidatura da coligação PSD/CDS Juntos por Espinho às eleições autárquicas. O objetivo era claro: derrotar o socialista José Mota. O palco estava montado: uma tenda para acolher um milhar de pessoas, erguida em frente à praia onde o atual presidente do PSD tinha sido nadador-salvador. Só havia um problema, aliás dois: nem água nem luz. “Montámos a tenda e pedimos a luz à EDP, que nos disse que sim, e a água à Câmara, que nos disse que não. Passadas umas horas, a EDP disse-nos que já não nos dava a luz”, conta Montenegro, em conversa com o Expresso no restaurante Ritalinos, próximo da sua casa em Lisboa. “O José Mota era um tipo muito influente e tentou minar de todas as formas a realização daquele jantar.” O caso chegou a meter tribunal, argumentando os queixosos que em causa estava o direito de reunião política. Legitimado o evento, persistia o problema da falta de água e luz. Montenegro pediu ajuda a Luís Filipe Menezes, então presidente da Câmara de Gaia, que lhe providenciou “uma cisterna de água montada numa carrinha”. Já a parte da luz foi resolvida pelo independente Zé Pinho — na altura mais ligado ao CDS, agora ao PSD —, que disse a Montenegro: “Eu vou comprar velas e fazemos aqui uma jantarada à luz das velas.” O convidado de honra era José Ribeiro e Castro, então presidente do CDS, que diz guardar “uma vaga recordação” dessa noite. “Queríamos substituir o Zé Mota e as relações eram bastante tensas. Foram umas autárquicas muito intensas.” Montenegro entrou em direto no “Telejornal” da RTP e, segundo o próprio, “saiu o tiro pela culatra ao presidente da Câmara porque acabou por dar muito mais destaque” ao jantar. A verdade é que a coligação foi derrotada nas eleições de outubro e Montenegro tem uma explicação para isso. “Perdi porque mostrei força a mais antes do tempo. O jantar foi o ponto alto e, a partir daí, o José Mota utilizou toda a máquina da Câmara e fez uma recuperação muito grande.” Houve um outro episódio revelador da tensão daquela campanha. A um mês das eleições, o jornal local “Defesa de Espinho” fazia manchete com uma frase de Montenegro: “José Mota está a mentir!”, a propósito da construção do estádio do Sporting de Espinho. “Tanto estava a mentir que ainda não há estádio”, atalha Montenegro, concedendo que, à época, era “mais impetuoso e agreste na linguagem. Se calhar, hoje, em vez de dizer que ele estava a mentir, dizia que ele estava a faltar à verdade.”

Os mais de dez anos em que liderou a oposição em Espinho foram a primeira de “três fases” no processo de afirmação de Montenegro, segundo uma fonte social-democrata que prefere não ser identificada. “É um político que surge dentro do partido, que vem de dentro para fora e que em Espinho protagonizou sempre a oposição a um poder forte e tentacular”, descreve. O que significa que está “treinado, desde o início, para resistir a um poder absoluto”, prossegue a fonte, referindo-se à atual maioria absoluta socialista. Esta primeira fase preparou Montenegro para “a adversidade política, a esperança numa vitória e a capacidade de resistir”. As outras duas foram na Assembleia da República: 16 anos como deputado (estreou-se em 2002), seis dos quais como líder da bancada parlamentar (entre 2011 e 2017). “A partir do momento em que vai para deputado, há uma adaptação à política nacional de alguém que se integrou muito bem no meio de Lisboa e da classe política. A liderança parlamentar, sobretudo nos anos da troika, permitiu-lhe ganhar um direito de cidadania no partido e na opinião pública.” Apesar de ser um político de pleno direito, ainda lhe falta “alguma notoriedade”, reconhecem dirigentes do PSD. Também consciente disso, Montenegro iniciou em setembro o périplo “Sentir Portugal em...”, que já o levou aos distritos de Viseu e Évora. Com o programa, o líder social-democrata tenciona passar uma semana por mês em cada um dos distritos. E, pelo caminho, dá-se a conhecer na rua, desdobra-se em visitas e reuniões numa agenda sempre muito carregada e aproveita para mostrar alguns dos seus dotes. Na Freixiosa, no distrito de Viseu, preparou e serviu uma “canja laranja” e um arroz de cabidela para cerca de 30 pessoas. Em Arraiolos, no distrito de Évora, foi-lhe lançado um desafio no Centro Interpretativo do Tapete: “Não pode abalar sem ficar a saber fazer o ponto de Arraiolos bem feito.” Já não se lembrava como se fazia mas, em poucos minutos, superou o desafio. Apesar de nunca ter tido “grande jeito para os trabalhos manuais”, no quinto ou no sexto ano fez uma almofada com aquele ponto e saiu-se bem. Guardou-a durante muito tempo e não sabe se a mãe ainda a conserva. Era uma almofada com quadrados alternados entre o azul e o laranja, mas está quase certo de que as cores escolhidas nada tiveram a ver com o clube e o partido de que é adepto: o FC Porto e o PSD.