A Revista do Expresso

Reportagem em Kharkiv: “Engolidos pela guerra”, a história dos civis desaparecidos

15 outubro 2022 23:34

Tiago Carrasco, na Ucrânia

yasuyoshi chiba/afp/getty images

A polícia ucraniana já recebeu pelo menos 12.500 participações de desaparecimento de civis. Foram raptados pelo exército russo e sumiram-se sem deixar rasto, deixando pais, filhos e irmãos numa busca desesperada. Os que conseguiram regressar relatam torturas e execuções

15 outubro 2022 23:34

Tiago Carrasco, na Ucrânia

A crueldade da guerra na região de Balaklia, uma cidade de 27 mil habitantes, 100 km a sudeste de Kharkiv (Carcóvia), é desvendada à medida que se levanta o véu dos seis meses de ocupação russa. Há uma sala de tortura na esquadra de polícia, dezenas de casas destruídas e mais de 400 corpos enterrados numa vala comum na vizinha cidade de Izium. Na fábrica de reparação mecânica que os russos utilizaram como base, encontram-se ainda uniformes, mapas e cartazes com a propaganda de Moscovo, deixados para trás à pressa quando, no passado dia 9 de setembro, o exército ucraniano começou nesta cidade um surpreendente contra-ataque, que já conduziu à recuperação de um território de mais de 6000 km2, uma área significativamente maior do que o Algarve. Um feito pago com vidas: nos caminhos agrícolas encontram-se ainda ossadas de militares por levantar. “Não temos tempo para limpar os mortos enquanto estivermos a cuidar dos vivos”, comenta um soldado ucraniano num posto de controlo.

Além da desgraça visível, há ainda o sofrimento vivido por todos aqueles a quem a ocupação arrancou uma preciosa parte da sua existência. Viktor e Natalia Shapoval procuram o seu único filho, Andriy, desaparecido sem deixar rasto a 12 de abril, dia do seu 28º aniversário. Descem cabisbaixos até à entrada do seu prédio — uma das dezenas de retângulos velhos e cinzentos que formam um humilde bairro junto ao Museu de História de Balaklia —, com olhos húmidos em diferentes tons de azul, dois oceanos unidos por uma corrente de tristeza. “Saiu por volta das 14h para ir ajudar a avó de um amigo que tinha fugido da cidade”, diz a mãe, Natalia, uma carteira de 47 anos, que ficou em casa a preparar o bolo de anos com os parcos ingredientes disponíveis durante a ocupação. “Nunca mais regressou.” Três dias mais tarde, a 15 de abril, os pais foram alertados por uma tia para uma publicação na internet. “Surgiu num vídeo do Instagram, gravado na esquadra de polícia, a admitir que era colaborador do exército ucraniano. Mas é mentira. Foi obrigado a dizer aquilo.” Os ocupantes revistaram o apartamento dos Shapoval, apreendendo computadores e telemóveis, sem nunca revelar qualquer informação sobre o paradeiro de Andriy.

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