A Revista do Expresso

Este foi o dia em que enterrámos a nossa esperança: um ano de talibãs no poder.

18 setembro 2022 10:25

Maryam Shahi

ahmad sahel arman/afp via getty images

Foi há um ano que os talibãs tomaram o controlo de Cabul e mudaram a vida de milhões de afegãos. Refugiada em Portugal, uma jornalista conta como as mulheres desafiam o regime para manterem as suas vidas

18 setembro 2022 10:25

Maryam Shahi

Chegou muito mais cedo do que qualquer habitante de Cabul teria imaginado. Na manhã do dia 15 de agosto de 2021, quando os talibãs tomaram o poder, saí da redação do semanário onde trabalhava para ir para o centro da cidade com a minha irmã. Queria comprar uma mala. Mas vi que nenhum dos carros se dirigia para lá. Um homem que fazia câmbio de dinheiro avisou-me que os talibãs tinham chegado e que eu deveria ir para casa, porque estava sem mahram — ou seja, sem a companhia do meu pai, marido ou irmão. Também não estava a usar o hijab (o lenço que cobre a cabeça). Era certo que os talibãs me castigariam.

Apesar de o dia estar apenas a começar, homens e mulheres corriam para casa e os carros que passavam não paravam para levar mais passageiros. Regressámos a pé. Depois desse dia, não voltei a poder entrar na redação. Tinha acabado de publicar no semanário feminino as memórias de Anne Frank, sobre a sua vida escondida dos nazis — não imaginava que eu também teria de passar a ter uma vida secreta. Nem eu, nem Parastoo Farhang, nem Katayoon Sultani. As três lutávamos pelos direitos das mulheres no Afeganistão. Somos apenas três entre milhões de mulheres afegãs cujas vidas mudaram de um momento para o outro com a vinda dos talibãs.