10 setembro 2022 21:16

O criador de Fritz the Cat é um dos cartoonistas mais famosos do mundo. E é também um dos mais controversos, sobretudo pela forma como aborda há décadas a própria sexualidade, a política e a atualidade. Deixou os Estados Unidos há 30 anos e vive com a mulher numa aldeia no Sul de França. Juntos criam bandas desenhadas que são ao mesmo tempo autobiográficas e universais. Sempre com ironia. E sem vergonha
10 setembro 2022 21:16
Lá fora, o rio corre com força por baixo da ponte de pedra. E os poucos cafés da aldeia já receberam quase todos os clientes da manhã, neste sábado de chuva. Ainda agora, o cartoonista Robert Crumb estava aqui na sala, sentado junto a uma parede cheia de discos de vinil de 78 rotações, arrumados com perfeição. Mas levantou-se e saiu, porque alguém tocou à porta desta casa onde vive com a mulher, a cartoonista Aline Kominsky-Crumb. Robert tem 79 anos, Aline é cinco anos mais nova. E os dois artistas norte-americanos preparam-se para falar sobre temas autobiográficos que vão do LSD à banda desenhada. Passando pela relação com o mundo das grandes galerias de arte internacionais. E pela forma como trabalham a dois sendo tão diferentes. O pretexto da conversa é a exposição “Sauve qui peut! (Run for Your Life)”, que entre fevereiro e março reuniu na galeria David Zwirner, em Paris, bandas desenhadas e ilustrações de Aline, de Robert e da filha dos dois, a cartoonista Sophie Crumb. Daqui a nada, Robert vai voltar a sentar-se aqui. Para já, é Aline quem fala de uma banda desenhada criada com a filha, sobre as histórias dos abortos que fizeram. E sobre o primeiro bebé de Aline, que foi para uma agência de adoções judaica.
Aline, a vossa banda desenhada “4 Shades of Abortion” partiu de uma conversa entre mãe e filha?
Aline Kominsky-Crumb — Sim, recebemos uma encomenda para fazer um trabalho sobre aborto. Então, sentámo-nos a falar sobre as nossas experiências. Eu acompanhei a Sophie no aborto dela. E ela tinha ouvido falar sobre o meu. Mas nunca tínhamos discutido o assunto a fundo. Decidimos ficar cada uma com uma página para as nossas histórias, mas depois falámos muito. Acabou por ser terapêutico. Teve muito significado, porque nunca tínhamos feito uma história longa juntas e encontrámos uma forma interessante de o fazer. Uma pessoa conta a história, a outra faz perguntas. Acabámos por falar tanto que nos demos conta de como fomos afetadas. No fim, os nossos maridos fizeram vasectomias. Apercebemo-nos de como isso foi tão libertador para as duas.