A Revista do Expresso

“Não há nada como a fotografia que possa conservar e matar, simultaneamente.” Grande entrevista a Daniel Blaufuks

21 agosto 2022 20:13

Ao ver figurar o seu nome ao lado dos maiores da fotografia em Portugal, o fotógrafo que tem necessidade de escrever reflete sobre o seu percurso

21 agosto 2022 20:13

conversa começou por telefone, de modo intenso, e prolongou-se numa esplanada em Lisboa, no bairro onde Daniel Blaufuks (n. 1963) cresceu e vive. Não muito longe também da Fundação Calouste Gulbenkian, na qual, poucos dias antes, havia sido lançado um livro que o faz figurar entre os maiores da fotografia portuguesa. No coração desta cidade na qual os seus avós encontraram o exílio — poucos anos antes de outros judeus chegarem a Portugal, fugidos da Alemanha nazi, e por aqui ficarem à espera de um barco que os levasse a outro lugar, impedidos que estavam, pelo regime de Salazar, de obterem uma autorização de residência em Portugal —, falámos de um percurso que tem na sua raiz esse raro exílio (ficaram apenas 50 refugiados judeus, em Portugal). Situação que se havia de anunciar também na vida de Daniel Blaufuks através de vários vazios e ausências que só começou a preencher quando largou o jornalismo, no qual começou como fotógrafo, para se afirmar como artista plástico, numa altura em que a fotografia, por si só, ainda lutava para ter estatuto de arte. Mais de duas décadas depois, Daniel Blaufuks figura entre os seus heróis numa edição da série que pretende estabelecer o cânone da fotografia em Portugal. Ao ver o seu nome acrescentado ao de Helena Almeida, Paulo Nozolino, Jorge Molder, Fernando Lemos, José M. Rodrigues, Ernesto de Sousa ou Jorge Guerra (artistas de uma geração bem diferente da dele), na série Ph., da Imprensa Nacional, Daniel Blaufuks acredita que pode finalmente olhar para o seu trabalho, refletir e dizer: “Este é o meu corpo.” Ora, grande parte desta conversa procura o corpo atrás desse corpo, numa altura em que tem duas exposições em França (Paris e Rouen, Centre Photographique Rouen Normandie), prepara outra que apresentará em Portugal, em janeiro, do próximo ano, e o livro “Lisboa Cliché” (Tinta-da-China) tem uma terceira edição.

Quais são as primeiras memórias da relação com a fotografia e com as imagens?

Talvez seja através do meu avô e das suas câmaras, porque quando o meu avô veio da Alemanha para Portugal, trouxe a máquina fotográfica com ele. Ele tinha uma paixão pela fotografia. Ainda tenho fotografias tiradas por ele na Alemanha, e são interessantes. É um fotógrafo amador com um olhar informado pela fotografia alemã da época e pelo formalismo. O meu avô aprendeu a revelar negativos na Alemanha; e aqui, em Portugal, teve anos e anos sem o poder fazer, por falta de dinheiro e de espaço. Mas a certa altura passou a ter um pequeno laboratório. Não me lembro muito do laboratório, mas acho que é aí que tenho esse primeiro contacto. Ele tinha um ampliador de uma Minox, que era uma câmara de espiões minúscula que ainda tenho.