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Revisão constitucional: PS e PSD concordam que 'secretas' devem poder aceder a metadados

Revisão constitucional: PS e PSD concordam que 'secretas' devem poder aceder a metadados
Stephen Lam / Getty Images

Dois maiores partidos deixaram em aberto a possibilidade de aprovar uma proposta do PCP para alterar na Constituição a forma de designação dos membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. E ficaram no ar alusões ao impasse no Tribunal Constitucional

PS e PSD concordaram esta terça-feira que os serviços de informações devem poder aceder aos dados de contexto das comunicações, salientando que tal nada tem a ver com problemas recentes relacionados com os metadados em investigações judiciais.

Na comissão eventual de revisão constitucional, o coordenador do PSD André Coelho Lima fez questão de começar a sua intervenção por "uma pedagogia" sobre o tema e de se dirigir até ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. "O ponto que aqui se discute é apenas e só permitir o acesso a metadados pelos serviços de informações e não para investigação criminal, porque isso já é permitido", frisou.

Aludindo a declarações recentes do chefe de Estado na cerimónia dos 40 anos do Tribunal Constitucional, André Coelho Lima referiu que, perguntado se a questão dos metadados constitui um desafio para a justiça portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu ser "um tema que pode ser tratado em matéria de revisão constitucional".

"Estas declarações devem da nossa parte, Assembleia da República, respeitando o principio da separação de poderes, levar à necessidade e urgência deste esclarecimento", contrapôs o deputado do PSD. Coelho Lima salientou que as várias decisões anuladas em tribunais nos últimos meses pela inconstitucionalidade da lei dos metadados "nada têm a ver" com os trabalhos que estão em curso na revisão constitucional, que apenas irá decidir se os serviços de informações devem ou não ter acesso a estes dados de contexto (que podem incluir informações sobre tráfego ou de localização do equipamento, mas não conteúdo das comunicações).

Na mesma linha, o coordenador do PS na comissão, Pedro Delgado Alves, lamentou também "alguns equívocos" nesta discussão, frisando que a forma de acesso e conservação dos metadados das comunicações para efeitos de investigação criminal está a ser discutido num grupo de trabalho parlamentar específico. "Aqui o que abordamos é a possibilidade de acesso a metadados no âmbito da atividade dos serviços de informações", disse, salientando, tal como o PSD, que Portugal é dos poucos países em que os serviços de informações não têm acesso a este tipo de dado.

Neste artigo, relativo à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, PS e PSD têm formulações diferentes, mas manifestaram-se disponíveis para convergências, sendo suficientes para os dois terços necessários à revisão constitucional.

Quase todos os outros contra

Entre os restantes partidos, apenas o Chega manifestou abertura para apoiar esta alteração, com o deputado Rui Paulo Sousa a frisar que, sobretudo numa altura em que a Europa enfrenta uma guerra, os serviços de informações devem ter acesso a mais meios.

Muito crítico, o deputado da Iniciativa Liberal João Cotrim Figueiredo alertou que PS e PSD, "com textos supostamente virtuosos", querem limitar direitos individuais e ameaçou, se esta alteração for aprovada, ir "até ao fim para provar que viola os limites materiais da revisão constitucional".

Também o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, se manifestou frontalmente contra e criticou em especial o PS por incluir na sua proposta, entre as razões que podem justificar o acesso das 'secretas' aos metadados, a "proliferação de armas de destruição maciça".

"É de mau gosto no mínimo que o PS tenha incluído esta referência, quando passam 20 anos da malfadada cimeira das Lajes [que antecedeu a guerra do Iraque]", disse.

Pelo PCP, Alma Rivera manifestou-se igualmente contra as propostas de PS e do PSD, considerando não ser aceitável "aumentar os poderes dos serviços de informações".

A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, considerou que, para que fosse possível a consagração constitucional deste princípio, o acesso das 'secretas' teria de estar "o mais balizado possível", o que considerou não acontecer nas formulações propostas.

Rui Tavares, pelo Livre, considerou não haver justificação para alterar a Constituição neste ponto, e acabou a intervenção a "rogar a PS e PSD que tenham muito cuidado e coloquem trancas à porta na limitação de direitos fundamentais".

Nas propostas hoje discutidas, o PSD opta uma formulação mais genérica, determinando que "a lei pode autorizar o acesso do sistema de informações da República aos dados de contexto resultantes de telecomunicações, sujeito a decisão e controlo judiciais".

Já o PS, mantendo a proibição de "toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal", introduz uma exceção a este princípio geral: "O acesso, mediante autorização judicial, pelos serviços de informações a dados de base, de tráfego e de localização de equipamento, bem como a sua conservação, para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional, da segurança interna de prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada, nos termos a definir pela lei".

Os socialistas pretendiam ainda incluir uma nova alínea neste artigo da Constituição para consagrar que "a vigilância eletrónica do domicílio só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei", com o PSD a dizer "não ver vantagem" nesta modificação.

Alterações na ERC em aberto

Noutro dos pontos em debate nesta reunião da comissão de revisão, PS e PSD deixaram em aberto a possibilidade de aprovar uma proposta do PCP para alterar na Constituição a forma de designação dos membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), acabando com a cooptação do presidente.

Segundo a proposta do PCP, apresentada pela deputada Alma Rivera na comissão eventual de revisão constitucional, todos os membros da ERC passariam a ser designados pela Assembleia da República (atualmente o Parlamento indica quatro e o quinto, o presidente, é escolhido pelos pares).

"Julgo que este artigo pode merecer uma análise subsequente, a cooptação não é um modo de designação de titulares que me pareça particularmente feliz, há uma certa opacidade que muitas vezes as cooptações trazem", afirmou a deputada do PS Alexandra Leitão.

Num aparte audível, o presidente da comissão, o social-democrata José Silvano, aludiu, em tom bem-disposto, se seria uma referência à situação vivida no Tribunal Constitucional, em que três juízes conselheiros já terminaram o mandato por falta de consenso para a cooptação de novos membros. "Alguma vez", respondeu Alexandra Leitão, num tom igualmente descontraído.

O deputado Alexandre Poço adiantou que o PSD (essencial para, com o PS, fazer os dois terços necessários para a aprovação de qualquer norma) não tem ainda uma posição fechado nesta matéria, dizendo acompanhar algumas das preocupações do PCP. "A cooptação pode levar a situações de impasse, mais do que esta situação de impasse que está na cabeça de todos a preocupação que como legisladores constituintes devemos ter é qual a forma de eleição que conduz a melhor ou pior experiência da regulação", considerou.

Pelos restantes partidos, apenas o Livre se manifestou desde já contra, considerando que não deve ser o Parlamento "a controlar tudo, a designar toda a gente",

Em matéria de comunicação social, ficarão pelo caminho propostas do Chega para nomear nos meios de comunicação social do setor público conselhos de informação com representantes de todos os partidos -- recusado por todos -- e da Iniciativa Liberal para retirar da Constituição a norma segundo a qual "o Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e televisão".

Segundo Cotrim Figueiredo, essa norma passaria a estar apenas na lei e caberia a cada Governo determinar da existência, ou não, desse serviço público. "Revemo-nos na necessidade da existência de um serviço público de comunicação social, não acompanharemos a sua eliminação", justificou Alexandra Leitão.

Também o PSD irá rejeitar esta proposta, mas considerou que a existência constitucional de um serviço público de rádio e televisão não "exige necessariamente" que este seja assegurado nos moldes atuais.

"Há algumas tarefas e incumbências do Estado que têm de existir no serviço público nos moldes atuais ou, num futuro qualquer, em moldes que se possam contratualizar ou concessionar", disse Alexandre Poço, apontando como exemplos a promoção da língua portuguesa ou a ligação à lusofonia.

Pelo caminho ficará uma proposta do PCP para consagrar o direito dos jornalistas "não praticarem atos contrários à sua consciência", com o PS e PSD a considerarem que já está prevista no artigo mais geral relativo à liberdade de consciência, de religião e de culto, com o social-democrata Alexandre Poço a aproveitar para reiterar que o PSD mantém a posição do ex-líder Pedro Passos Coelho (de que não é necessário discriminar positivamente os profissionais de comunicação social).

Na área da justiça, o Chega pretendia que ficasse consagrada a possibilidade de inversão do ónus da prova em caso de crimes de titulares de cargos públicos, desde que não colocasse em causa "o princípio da presunção de inocência", o que foi apontado pelos restantes partidos como uma contradição nos termos e "uma linha vermelha" inultrapassável.

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