Política

Presidente do Tribunal Constitucional promete “relacionamento imaculado” com outros poderes

Novo presidente do Tribunal Constitucional, José João Abrantes, na cerimónia da sua da tomada de posse
Novo presidente do Tribunal Constitucional, José João Abrantes, na cerimónia da sua da tomada de posse
RODRIGO ANTUNES

José João Abrantes, prometeu, esta quinta-feira, um “relacionamento imaculado” com os outros poderes do Estado, com autonomia e independência e sem “censurar opções políticas dos órgãos legislativos”, e rejeitou “protagonismo judiciário”

José João Abrantes tomou esta quinta-feira, dia 11, posse como novo presidente do Tribunal Constitucional (TC), sucedendo a João Caupers, e Gonçalo de Almeida Ribeiro foi empossado como vice-presidente, cargo até agora ocupado por Pedro Machete.

Na cerimónia de posse - que decorreu nas instalações do TC, em Lisboa, e contou com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, - o juiz-conselheiro afirmou que, “na senda da linha de atuação comum a todos os anteriores presidentes, o Tribunal continuará a ter como preocupação a preservação de um relacionamento imaculado com os demais poderes”.

O juiz afirmou que esse relacionamento será “assente no escrupuloso respeito mútuo das competências de cada um, sem contender com a autonomia e independência exigidas pelo seu estatuto, que, no seguimento da sua história, nos cabe agora continuar a defender”.

José João Abrantes afirmou que “o Tribunal Constitucional constitui um poder independente, cujo papel consiste em assegurar o respeito da Constituição” e garantir que “a democracia funcione com base no primado da Constituição e na garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos”.

“É isto que lhe compete. O Tribunal Constitucional sabe que lhe não cabe imiscuir-se nas competências específicas dos outros órgãos, designadamente dos órgãos legislativos e dos órgãos jurisdicionais. Não pode, salvo com fundamento em imperativos de ordem constitucional, censurar opções políticas dos órgãos legislativos ou interpretações da lei ordinária efetuadas pelos restantes tribunais. Esses são domínios reservados a outros órgãos, que o Tribunal Constitucional não pode, nem quer, invadir”, defendeu.

No seu primeiro discurso, o novo presidente considerou que ao TC deve “ser reconhecido o lugar específico que lhe cabe e ser devidamente respeitada a sua competência própria”, apontando que este órgão de soberania “não pode, nem quer, abdicar de exercer, em toda a plenitude, os seus poderes próprios de apreciação da validade das normas, à luz, tão só, dos autónomos critérios valorativos da Constituição”. “Daí que a preservação desse relacionamento com os demais poderes do Estado seja para nós essencial”, salientou.

Rigor e discrição na comunicação social

Apontando como da “maior relevância” o público ter conhecimento das decisões do TC e respetivos fundamentos, José João Abrantes realçou o “papel insubstituível” dos jornalistas nessa transmissão de informação, mas pediu rigor. O presidente do TC indicou que este tribunal, “com os condicionalismos que a natureza jurisdicional da sua função impõe, continuará, como sempre esteve, empenhado em facilitar a missão informativa, para que a possam cumprir do modo mais rigoroso possível”, pedindo que “os títulos de primeira página ou as notícias de abertura dos telejornais” não sacrifiquem “o rigor àquilo que seja apenas mais mediático”.

“O relacionamento de um tribunal com a comunicação social deve pautar-se por critérios de rigor e discrição, com expressa recusa de um sempre fácil, mas indesejável, protagonismo judiciário. Isso não impede que uma correta e precisa informação relativamente às decisões e motivações do tribunal deva ser eficaz e prontamente disponibilizada, porque a opinião pública tem o direito de as conhecer”, defendeu.

Guardião da Constituição de 1976

No seu primeiro discurso nessas funções, o novo presidente afirmou que "o TC é o guardião da Constituição, não de uma qualquer Constituição, mas da Constituição de 1976". José João Abrantes recordou o contexto histórico em que foi aprovada essa Constituição, após o 25 de Abril de 1974: "É, desde logo, ela própria, um corolário da revolução democrática e humanista que nos libertou da mais velha ditadura da Europa".

"Uma Constituição que só será verdadeiramente cumprida quando se alcançar plenamente o Portugal mais justo, mais fraterno e mais livre de que fala o seu preâmbulo", defendeu, em seguida.

José João Abrantes considerou depois que "se há alguma coisa que de mais relevante um professor de direito do trabalho pode trazer consigo é a ideia de liberdade concreta" e referiu que toda a sua carreira académica e intervenção cívica "foram sempre marcadas por um fio condutor da luta pelos direitos humanos".

"Essa luta tem de ser, em especial, uma luta pelos direitos dos mais fracos. Essa é, sem dúvida, uma das funções principais do Estado democrático, porque a verdadeira liberdade só se completa com a igualdade, porque não há liberdade sem igualdade de oportunidades", sustentou.

Para o presidente do TC, "esta é, necessariamente, uma tarefa do Estado democrático, como tal afirmada pelos ideários humanistas" segundo os quais há um dever de solidariedade, "particularmente aos que não têm voz nem vez nesta sociedade ainda tão distante da plena realização dos imperativos constitucionais da igualdade e da justiça social".

Sobre a "dignidade da pessoa humana" consagrada na Constituição de que o TC é "o guardião", disse que é "o primeiro e o mais imprescritível dos valores do Estado de direito democrático", acrescentando: "Mas essa pessoa humana não é uma pessoa abstrata. São seres humanos, mulheres e homens concretos, inseridos numa sociedade, onde há tensões e contradições, onde há muitos poderes, todos eles suscetíveis de ameaçar a liberdade dessas concretas pessoas".

Antes, José João Abrantes lembrou as suas raízes alentejanas e o legado deixado pelos seus pais, "de bondade, generosidade e sentido de justiça, coragem, dignidade e honra".

"Com eles aprendi que a liberdade começa quando escolhemos a coerência e fidelidade às nossas crenças e convicções mais profundas. Encontrei esses mesmos valores na minha mulher e são esses os valores que também procurámos transmitir à nossa filha e às nossas netas", acrescentou.

Relativamente à sua escolha pelos pares para presidir ao TC, declarou: "É um cargo que não procurei, e menos ainda pedi. Mas encaro-o com um dever de ofício e espírito de missão".

No preâmbulo da Constituição da República Portuguesa, a Assembleia Constituinte que a aprovou em 1976 "afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno".

José João Abrantes foi eleito juiz do Tribunal Constitucional pela Assembleia da República em julho de 2020, por proposta pelo PS.

Nesta cerimónia de posse estiveram presentes o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.


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