O Ministério Público acusa a autarca de Arouca de ter atuado de forma “concertada” com o então presidente da Câmara local em final de mandato, José Artur Neves, para assegurar votos ao Partido Socialista nas eleições autárquicas de 2017. No despacho de acusação, a que o Expresso teve acesso, os dois arguidos vão responder em julgamento pela prática, “em co-autoria”, de crimes de “falsificação ou contrafação de documento agravado e prevaricação, em concurso aparente com um crime de abuso de poderes”, por terem alegadamente combinado a pavimentação, sem suporte legal e orçamental, de um troço de estrada, reparação que era reclamada pela população local.
A obra foi entregue à Carlos Pinho Construções Lda, empresa que tem por sócio e gerente Carlos Pinho, presidente do F.C. Arouca, também acusado no processo por ter sido “quem lidou com os demais arguidos, em seu nome e no interesse da sociedade arguida para promoção das suas atividades comerciais”.
Em causa está a pavimentação do troço entre Quintela e Chão de Ave, obra executada entre 23 e 26 de setembro de 2017, concluída quatro dias antes das autárquicas de 1 de outubro, eleição que Margarida Belém, então vereadora e candidata do PS, venceria por maioria absoluta (55% dos votos), tornando-se a primeira mulher a governar o município de Arouca.
Nas mesmas eleições, José Artur Neves concorreu à presidência da Assembleia Municipal, sustentando a acusação que a empreitada não estava cabimentada no orçamento ou “em qualquer documento relativo ao procedimento, adjudicação ou execução”. Para o Departamento de Investigação e Ação Penal de Santa Maria da Feira, a antecipação da obra em cima do ato eleitoral visou responder ao “desagrado da população local”, insatisfeita por o trabalho no troço de estrada, “há muito reclamado”, ter ficado excluído no último mandato de José Artur Neves, nomeado secretário de Estado da Proteção Civil do Governo de António Costa três semanas depois das autárquicas.
O Ministério Público alega que a pavimentação do troço viário foi o modo de o PS “assegurar a maior votação possível” na lista autárquica que ambos integravam e, por outro lado, “permitir que a Construções Carlos Pinho se visse preferida na execução célere e no pagamento de obras a seu cargo”. O inquérito adianta que o arguido José Neves “acordou com o arguido Carlos Pinho” executar de imediato o troço não previsto e “sem organização de qualquer procedimento contratual prévio, apesar de se tratar de uma empreitada nova”.
Como não era candidato a um órgão executivo, José Artur Neves “obteve ainda o acordo” da sua então vice-presidente Margarida de Belém, que assinou digitalmente o despacho do contrato de empreitada em julho, e apenas publicitado a 14 de setembro, duas semanas antes das eleições.
Para assegurar o pagamento à Construções Carlos Pinho Lda “revelou-se necessário” formalizar posteriormente um novo procedimento contratual, feito por ajuste direto no final de novembro de 2017, por € 42.617, 50. A acusação avança que, além de a empreitada já ter sido executada à revelia da lei, o município de Arouca estava proibido de convidar para obras públicas empresas que tivessem beneficiado de adjudicações por ajustes direto superiores a €150 mil nos dois últimos anos, não podendo por isso a empresa de Carlos Pinho “ser convidada a apresentar propostas”. Ao todo, a construtora-arguida acabou por receber mais de €215 mil em cinco ajustes diretos.
Segundo a acusação, os arguidos terão violado propositadamente as regras da contratação pública em detrimento do interesse público, ao não atuar com “imparcialidade e transparência”, agindo de modo deliberado e “cientes de que incorriam em responsabilidade penal”.
No processo, o Ministério Público pede que seja declarado perdido a favor do Estado o valor de €42. 672, correspondentes "à vantagem da atividade criminosa" dos arguidos, montante que terá de ser devolvido solidariamente pelos três acusados aos cofres do Estado.
Recorde-se que o ex-secretário de Estado da Proteção Civil foi acusado pelo Ministério Público em julho último no processo das golas antifumo, suspeito de crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder. Neste processo, José Artur Neves foi investigado no âmbito da compra de golas antifumo do Programa ‘Aldeia-Segura, Pessoas-Seguras’, co-financiado pelo Fundo de Coesão, após os grandes incêndios florestais do verão de 2017, caso que culminou na acusação de cinco empresas e 14 pessoas singulares, entre as quais Mourato Nunes, ex-líder da Autoridade Nacional da Proteção Civil.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: IPaulo@expresso.impresa.pt
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes