Política

Passos Coelho deixa o recado: "ilusões sobre milagre da dívida podem estar a chegar ao fim"

Passos Coelho deixa o recado: "ilusões sobre milagre da dívida podem estar a chegar ao fim"
José Fernandes

Ex-primeiro-ministro escreveu um texto de 40 páginas inserido num novo livro que vai ser publicado em breve onde fala de política europeia mas também de decisões do Governo. Passos Coelho fala da “ilusão” das contas certas, criada pela “elevada carga fiscal indireta” e da fatura que terá de ser paga com o uso dos fundos europeus

O ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho alerta que "a ilusão" da consolidação orçamental dos últimos anos poderá estar a chegar ao fim e que a elevada carga fiscal indireta pode ser um travão à recuperação económica.

"Parece que as ilusões sobre o milagre da dívida e da consolidação dos últimos anos poderão estar a chegar ao fim", adverte o anterior chefe do executivo português num texto de 40 páginas inserido no livro "Portugal - Alemanha Convergência e Divergências", a que a Lusa teve acesso.

Pedro Passos Coelho contesta também a ideia "que vem sendo propalada" em Portugal de que a dívida europeia não terá custos para os países periféricos, considerando-a "manifestamente enganadora".

Apesar de dissertar maioritariamente sobre as políticas europeias, o antigo primeiro-ministro deixa vários recados para Portugal, criticando sobretudo os impostos elevados que considera ser o sustentáculo da consolidação orçamental.

"A carga fiscal indireta elevada que ajuda à ilusão de ter ‘contas certas’ sem políticas restritivas acaba por ser um travão à recuperação quando as crises batem à porta” e “ainda mais em ambientes recessivos”, adverte.

O ex-líder do PSD considera que "os esforços de redução orçamental em países como Portugal continuaram a depender sobretudo do sacrifício do investimento e na concentração da ‘austeridade’ orçamental em torno de uma carga fiscal crescentemente elevada, centrada na tributação indireta".

"Como o tempo dos juros baixos está a ficar ultrapassado com o ressurgimento da inflação, a política monetária não só não ajudará a pagar os custos de financiamento daqui para a frente, como constituirá uma fonte de pressão para que os governos também imponham políticas mais restritivas para ajudar ao controlo da inflação", alerta.

O ex-chefe do executivo PSD-CDS insiste que "toda a dívida tem de ser paga, e esta dívida contraída nos mercados internacionais pela Comissão Europeia deverá contar com recursos próprios, que virão dos bolsos dos contribuintes de toda a União, para ser amortizada".

"Se, por qualquer razão (relacionada por exemplo com a dificuldade de os governos virem a aceitar esses recursos próprios tal como desenhados pela Comissão Europeia, ou dificuldade simplesmente de os parlamentos nacionais os virem a ratificar) esses custos tiverem de recair diretamente sobre os meios a serem garantidos pelos Estados, então ficará claro que, independentemente de serem contribuintes ou beneficiários líquidos dos fundos europeus, serão os países a diretamente a suportar os custos do financiamento, e verificar-se-á mais uma vez a máxima económica de que ‘não há almoços grátis’", sublinha.

Passos volta então a deixar mais um recado para o executivo português: "No caso de Portugal e dos portugueses, portanto, esses fundos serão tudo menos oferecidos (já que sempre serão pagos, direta ou indiretamente) e a ilusão de que, sendo da União, ninguém tem de os pagar ou de que serão os contribuintes dos países excedentários a suportar em exclusivo esse financiamento é tudo menos realista".

Recordando o período da pandemia em que “foram os Estados mais endividados aqueles que menos despenderam” em medidas de apoio aos setores afetados pela crise", o ex-primeiro-ministro indica que Portugal esteve “entre os mais condicionados no conjunto da União Monetária”.

"Apesar da retórica mais despreocupada a propósito da dívida durante alguns anos, a verdade é que a memória dos tempos da crise do euro acabou por trazer algum travão na utilização de recursos públicos no apoio à recuperação económica", escreve.

Passos Coelho aborda também o passado para refutar a ideia de que a austeridade foi desnecessária.

"A ideia de que a crise trouxe uma ‘austeridade’ desnecessária e desumana por imposição dos credores e por falta de determinação dos devedores é outra caricatura demasiado irrealista (tanto no que respeita aos credores propriamente ditos, como relativamente a qualquer dos governos em Portugal – tanto o governo socialista que negociou o pedido de ajuda, quanto o governo que chefiei e que ajustou o memorando recebido e negociado anteriormente", argumenta.

Quanto à posição da Alemanha nesse período, o ex-líder do executivo português escreve: "Um aliado interessado em ajudar-nos a ultrapassar as dificuldades e a vencer a crise".

No final do texto e depois de prever o fim das ilusões do "milagre da dívida", mostra-se expectante quanto a uma inversão de políticas ao nível europeu.

"Veremos em breve se estamos perto de um virar de página no projeto europeu, ou se simplesmente viveremos com o fim das ilusões e prosseguiremos o equilíbrio instável em que nos temos habituado a viver", conclui.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas