Política

“Ninguém é insubstituível”, diz Jerónimo sobre sucessão. Líder do PCP revela “mágoa política” com Costa e aconselha prudência a Marcelo

“Ninguém é insubstituível”, diz Jerónimo sobre sucessão. Líder do PCP revela “mágoa política” com Costa e aconselha prudência a Marcelo
TIAGO PETINGA/LUSA

Em entrevista à agência Lusa, o secretário-geral comunista assegura que o partido não despediu funcionários após quebra eleitoral e classifica como “repugnante” artigo que pôs em causa as suas origens operárias

“Isto é quase um desabafo pessoal. Os meus camaradas perdoar-me-ão, mas tive sempre esta ideia: ninguém é insubstituível”, diz Jerónimo de Sousa, em entrevista à agência Lusa, a propósito da Conferência Nacional de 12 e 13 de novembro. Com 75 anos e quase 18 como secretário-geral do PCP, recusa-se a apontar uma data concreta para a sua substituição, mas, logo a seguir, avisa que “a lei da vida não perdoa a ninguém” e, por isso, “um dia será”.

Antes de precisar que “o fator determinante” será a avaliação das “condições físicas e anímicas para continuar a fazer 2000 quilómetros num fim de semana”, o dirigente comunista garante que “a direção do partido olhará, acompanhará, verificará” a passagem do testemunho. “A saúde é um elemento central. Por muitos planos, programas, ideais, sonhos, tudo isso que a vida comporta, há uma coisa que é implacável, que é a lei da vida”, afirma.

Quando lhe é pedido um balanço do seu mandato, responde: “Pode parecer contraditório, mas continuo a ter mais projeto que memória”. Perante a insistência dos jornalistas, é com alguma emoção que descreve o que sente quando “muitos homens, mulheres e jovens”, que não são comunistas e que votam noutros partidos, o abordam na rua para lhe darem força e reconhecer: “Este defende os interesses dos trabalhadores e do povo.”

“Nós não despedimos”

Jerónimo de Sousa assegura que o PCP não despediu ninguém, quando questionado sobre os despedimentos de funcionários no Bloco de Esquerda e se o mesmo aconteceu no seu partido. “Nós não despedimos. Fizemos um esforço e, no essencial, mantemos o conjunto de quadros com responsabilidades no partido. As receitas vêm dos próprios militantes e dos seus eleitos, como é sabido, e evitamos o despedimento”, esclarece.

O secretário-geral comunista é o deputado há mais tempo em funções na Assembleia da República, tendo sido deputado à Assembleia Constituinte no pós-25 de Abril. No entanto, não esquece o início como metalúrgico e é assim que quer ser visto quando se reformar. Sobre a manchete de 12 de outubro do semanário “Tal&Qual” (“A vida secreta de Jerónimo. Líder do PCP está longe de ter origens operárias”), o dirigente comunista diz que o único objetivo daquela capa era “tentar enlamear alguém que tem uma vida que fala por si”.

“Essa notícia, se é que se pode chamar notícia àquilo, procurou atingir a minha mãe”, aponta, aludindo a uma nota de rodapé que refere que o secretário-geral comunista é “filho do ‘patrão’ da mãe”. “Considero isso, de facto, algo de repugnante, de anonimato, em que se procura apenas enlamear quem, no mínimo, deve receber, não o acordo ou a compreensão, mas o respeito, tendo em conta essa vida que tive de trabalho, desde os 14 anos, no duro”, acrescenta. E assegura que ainda tem o “cartão” de quando foi “para a fábrica” para ser metalúrgico, função que desempenhou até “entrar para deputado constituinte”. Razão pela qual confessa ter ficado enfurecido com o artigo que, diz, “é algo de abjeto”.

“Fica esta mágoa, só política”

Sobre os anos da ‘geringonça’, revela sentir “mágoa política” com o primeiro-ministro. “A minha maior desilusão foi ver que havia uma excelente oportunidade para resolver algumas questões no plano imediato que se colocavam ao povo e ao país e essa oportunidade foi perdida, na medida em que se isso se tivesse concretizado, Portugal hoje estaria melhor”, explica. “Fica esta mágoa, só política”, confessa, acrescentando, no entanto, que, no plano pessoal, é “coração ao alto”.

A relação com o secretário-geral do PS e antigo parceiro da ‘geringonça’, que vigorou entre 2015 e 2021, não sofreu “qualquer alteração” depois da cisão, em outubro de 2021, que acabou com o voto contra do PCP e o chumbo da proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2022. Esse chumbo precipitou a convocação de eleições antecipadas pelo Presidente da República – que, de resto, tinha advertido que um chumbo teria esse desfecho – e uma reconfiguração das forças políticas no Parlamento.

Relativamente ao partido em si, diz que “muita gente que não é comunista, nem está próxima [do partido], tira uma conclusão: o PCP faz falta”. “O PCP faz falta aos trabalhadores, aos reformados e pensionistas, aos que menos têm, aos que menos podem, aos agricultores, aos pequenos e médios empresários”, concretiza. E reconhece que se o partido tivesse ajudado a viabilizar a proposta de OE para 2022 – cuja rejeição esteve na origem das legislativas antecipadas, que fizeram com que o PCP ficasse reduzido a seis deputados – até podia conquistar “mais uns votos” noutras eleições, mas não estaria “a corresponder àquela exigência” que os portugueses esperam.

O dirigente comunista critica o Presidente da República por “se meter em assuntos onde deveria ter mais prudência”, acrescentando que o chefe de Estado foi “descuidado” ao desvalorizar o número de casos validados de abusos sexuais na Igreja – pela “própria sensibilidade” da questão. “Acho que Marcelo Rebelo de Sousa precipitou-se. Quando se tem uma inteligência fulgurante, às vezes dá para o torto.”

O desaire eleitoral, a correlação de forças na Assembleia da República e a incerteza no contexto geopolítico internacional obrigaram o PCP a convocar uma Conferência Nacional, a quarta em 101 anos, para reenquadrar o partido e a sua intervenção. Na conferência, o partido vai tentar resolver o dilema da captação de pessoas, numa altura em que o agravamento das condições de vida, a perda de poder de compra e a precariedade transversal a várias áreas poderão ser propícias a um alinhamento com as ideias dos comunistas.

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