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Incompatibilidades: "Agi de boa-fé" e "interpretação da lei não deve ser feita de forma literal", defende-se Pedro Nuno Santos

Incompatibilidades: "Agi de boa-fé" e "interpretação da lei não deve ser feita de forma literal", defende-se Pedro Nuno Santos
TIAGO PETINGA/Lusa

Pedro Nuno Santos diz que agiu de “boa-fé” e explica que nunca cedeu a participação na empresa familiar porque a questão ficou “sanada” com o parecer da PGR. Se TC decidir que houve violação da lei, garante que “respeitará” e assumirá “consequências”: a demissão

Na primeira vez que falou sobre o caso das incompatibilidades que o tem deixado debaixo de fogo nas últimas semanas, Pedro Nuno Santos dirigiu-se aos deputados da comissão de Economia para pedir que se colocassem "nos seus sapatos” e que olhassem para o caso na perspetiva “humana” e não estritamente “política”. E defendeu-se: agiu de “boa-fé”; nunca cedeu a participação na empresa porque questão nunca foi colocada; e, além do mais, a “interpretação da lei não deve ser literal”. Último argumento: mesmo que quisesse, os seus 0,5% não lhe dão “capacidade” nem “poder” para impedir qualquer negócio da empresa com o Estado. Nem para favorecer. Deputado da Iniciativa Liberal saiu em defesa do ministro.

Não sou jurista nem advogado, nem invoco o desconhecimento da lei - conheço-a -, mas queria que os senhores deputados se colocassem nos meus sapatos e que percebessem o processo até ao momento em que chegamos aqui hoje”, começou por dizer, garantindo que agiu “sempre de boa fé” e nunca sentiu "necessidade de ceder a participação que tinha na empresa” porque nenhuma entidade, em nenhum momento, o questionou sobre isso. Nem na primeira vez que tomou posse como ministro, nem na segunda.

Na audição, o ministro disse que até pensava que a sua participação era de 1%, tal como consta da sua declaração de rendimentos entregue no Tribunal Constitucional, mas que foi o jornalista que escreveu a notícia a esclarecê-lo de que a participação, afinal, era só de 0,5%.

Afirmando várias vezes que não tem qualquer atividade na empresa do pai - a participação que tem, assim como a da irmã, é apenas “simbólica” -, Pedro Nuno Santos alegou que, a partir do momento em que saiu o parecer do Conselho Consultivo da PGR, em 2019, a questão ficou “sanada”. Isto porque o parecer referia-se, de forma geral, aos vários casos de suposta incompatibilidade no Governo e nunca em nenhum momento levantou dúvidas sobre o seu caso específico.

“A partir do momento em que sai o parecer - e isso é relevante para perceber a boa-fé em que agi e porque é que a participação nunca foi cedida - nunca houve uma única pessoa que dissesse que esse parecer não se aplicava ao ministro Pedro Nuno Santos [ou à ministra Graça Fonseca], por isso a questão ficou sanada para toda a gente a partir daquele momento”, afirma, defendendo que o parecer “esclareceu todas as dúvidas”.

E insistiu: “A questão [de ceder a participação] não foi colocada, nunca ninguém veio dizer que o parecer não se aplicava à situação de Pedro Nuno Santos - não sou jurista, repito -, mas se a questão tivesse sido colocada tinha certamente havido um processo”, que não houve.

Para Pedro Nuno Santos, a lei não é “claríssima” como muitos dizem. “A interpretação da lei não deve ser feita de forma literal, coisa que o parecer da PGR diz de forma clara quando diz que se a lei for aplicada de forma lideral põe em causa um conjunto de preceitos constitucionais”, nota.

IL sai em defesa do ministro

Depois de PSD e Chega terem apelado à PGR para esclarecer a lei e para se debruçar sobre o caso concreto do ministro (ao contrário do que fez no parecer geral de 2019), o deputado da Iniciativa Liberal Carlos Guimarães Pinto fez uma intervenção em que saiu em defesa do ministro Pedro Nuno Santos, por oposição à situação da ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa.

Se num caso, o de Ana Abrunhosa, o deputado defende que há uma “violação do princípio ético” por ser impossível saber se o facto de ser familiar direto influenciou ou não a decisão da atribuição de subsídios, no caso de Pedro Nuno Santos o deputado não vê qualquer problema. “Não podendo controlar nem quem compra nem quem vende na empresa, não consigo, em boa consciência, responsabilizá-lo politicamente por isto nem julgá-lo eticamente”, disse, defendendo que a “linha tem de se desenhar algures”, mas tem de haver equilíbrio para não “afastar cada vez mais as melhores pessoas da política”.

“Entrar na política já tem implicações sobre a vida de todos nós, por isso as ligações familiares devem ser limitadas ao máximo: as nossas famílias não devem ser responsabilizadas pelas nossas decisões de entrar na política”, disse, depois de Pedro Nuno Santos já ter argumentado que “o pai, a irmã e a mãe” não têm que ser prejudicados por ter “decidido entrar nesta vida”.

Assim sendo, Carlos Guimarães Pinto questionou apenas o ministro sobre se estaria disponível para, dentro do PS, “patrocinar uma revisão da lei para eliminar casos [como o da ministra Ana Abrunhosa] e para clarificar casos como o seu, para ser claro para toda a gente que uma situação destas não pode ser ilegal”.

Antes, Pedro Nuno Santos tinha voltado a argumentar que o Governo só não pediu um novo parecer à PGR porque continua a rever-se naquele parecer” (a lei foi alterada em 2019 mas as normas que dizem respeito à sua situação “mantêm-se inalteradas”) e tinha-se mostrado disponível para “respeitar todas as decisões” que vierem do TC sobre esta matéria. No seu entender, contudo, o parecer é claro quando diz que “a aplicação literal da lei é desproporcional”.

Já Pedro Delgado Alves, vice-presidente da bancada do PS que não pertence àquela comissão mas foi de propósito para intervir, fez a defesa do ministro criticando a própria lei (que, como lembrou Mariana Mortágua, foi aprovada em 2019 sem contestação pelo PS e PSD). "As leis são imperfeitas”, disse. “Na fase final [de elaboração da lei] há uma espécie de mata-esfoça para ver quem é mais populista”, afirmou o deputado, sugerindo que os impedimentos deste género foram mantidos na lei por pressão da opinião pública - embora contrastem com princípios constitucionais.

Pelo PSD, a deputada Emília Cerqueira reiterou que não há ali qualquer “perseguição” ao ministro mas que há um “dolo” que pode ser imputado ao Governo: que é o facto de a Entidade da Transparência estar no papel há vários anos e nunca mais entrar em funcionamento. “Se o Governo tivesse feito alguma coisa sobre isso, talvez não estivesse aqui hoje a queixar-se sobre leite derramado”, disse.

Ministro “respeitará” decisão do Ministério Público

No resto da audição, que foi mais curta do que a primeira metade sobre a privatização da TAP, Pedro Nuno Santos foi repetindo a ideia de que, uma vez decorridos os factos, e reiterando que agiu de boa-fé, cabe às “instâncias competentes” analisar se houve violação da lei ou não. Questionado pela deputada Paula Santos sobre se já foi contactado pelo Ministério Público, disse que não, mas que aguardava “com serenidade” as conclusões do processo.

“Não posso responder sobre a alteração ou não da lei - o que sei é que o Governo pediu o parecer, e já achava na altura que a lei não podia ser literal senão punha em causa a Constituição. O parecer remete para uma lei que foi alterada, mas cujas normas que se me aplicam mantêm-se. Portanto, do ponto de vista do Governo, não há dúvidas. As dúvidas levantadas foram resolvidas nesse parecer e mantêm-se. Chegados aqui, a decisão final é das instâncias competentes. Temos de aguardar a decisão e respeitar, assim será”, disse, sublinhando o seu “absoluto interesse no esclarecimento cabal e rápido” do caso.

Resumindo: “O que conta é o que o MP e o TC decretarem; aguardo a decisão e cumprirei a sanção que me for aplicada”, disse, não antes sublinhando a “injustiça” que seria ser sancionado por ter agido de “boa-fé”. “O que me revolta é que estive três anos a achar que estava a agir bem…”

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