Política

O Governo mentiu sobre as pensões e o relatório do Orçamento é a prova

Atualizar as pensões pela lei de Vieira da Silva não fazia “perder 13 anos de vida ao sistema”. Essa justificação era mentira e, ao utilizá-la, o Governo sabia que estava a falsear o debate. Quando inventou, em desespero de causa, esse pretexto para amparar a sua escolha de corte, já era conhecido que as receitas da segurança social tinham crescido. O relatório do Orçamento traz agora os números reais e comprova que o documento de há três semanas era uma fraude.

Há menos de um mês, o Governo dizia que aumentar as pensões pela lei, à inflação, punha em causa a sustentabilidade do sistema de segurança social e fazia-o perder “13 anos de vida”, provocando saldos negativos ainda antes de 2030. O argumento não batia certo e por isso pedi as contas à Ministra. Depois de muita insistência, o governo mandou três folhas para o Parlamento com números martelados. Na rubrica das despesas, o Ministério pôs mais mil milhões. Mas esqueceu-se de atualizar as receitas, que já se sabia terem subido, nomeadamente pelo nível de emprego e por alguns aumentos salariais que elevam também o valor das contribuições.

Não é mistério: para saber os saldos da segurança social é preciso considerar despesas e receitas. O documento enviado aos deputados era uma aldrabice, porque desde julho que era público o crescimento de 12,9% das contribuições para o regime contributivo da Segurança Social, comparado com o período homólogo de 2021.

A ministra quis todavia omitir o aumento de receitas para manipular os termos do debate público, agitando o fantasma da “insustentabilidade”. A trapaça foi confirmada pelo relatório que consta da proposta de Orçamento do Estado entregue esta semana no Parlamento. Fica demonstrado que, com um aumento de 8% nas pensões, os saldos seriam positivos em 2023 em mais de 2 mil milhões de euros.

Ao contrário dos números martelados de há três semanas, a rubrica das receitas aparece agora, no relatório anexo ao Orçamento (página 26), com mais 2110 milhões do que no documento anterior enviado ao Parlamento e aos jornalistas. Na estimativa sobre o Fundo de Estabilização da Segurança Social, instrumento que serve para compensar saldos negativos, quando existirem, e que foi reforçado com novas fontes de financiamento negociadas à esquerda em 2018, fica explícito o seguinte: este não só não se extingue nos próximos anos - o governo disse que tal poderia acontecer já no “início da primeira metade de 2040” - como chegará a 2060 melhor do que está agora. De acordo com o relatório divulgado, a almofada financeira de segurança social terá em

2060 mais de 36 mil milhões de euros. Ou seja, com as leis em vigor, reforça-se a sustentabilidade do sistema no futuro, com mais cerca de 8 mil milhões do que no presente.

Ao arrepio do que foi afirmado, nunca esteve em causa a sustentabilidade do sistema. O corte estrutural nas pensões que o Governo decidiu fazer a partir de 2024 não resulta de nenhuma preocupação dessa ordem, mas de uma escolha de redução do défice a um ritmo superior ao previsto e à custa do rendimento atual dos pensionistas, que terão aumentos abaixo da inflação. Atualizar as pensões pela lei de Vieira da Silva não fazia “perder 13 anos de vida ao sistema”. Essa justificação era mentira e, ao utilizá-la, o Governo sabia que estava a falsear o debate. Quando inventou, em desespero de causa, esse pretexto para amparar a sua escolha, já era conhecido que as receitas da segurança social tinham crescido.

O fantasma da insustentabilidade, que mina a confiança dos mais jovens no sistema e alimenta os apetites dos fundos privados de pensões, que querem entregá-las, pelo menos parcialmente, aos mercados financeiros e à sua roleta, foi forjado por conveniência conjuntural. O tal documento, enviado aos deputados em setembro e reproduzido no espaço público, foi uma manobra oportunista para encobrir uma opção orçamental. Ao contrário do que disse a Ministra e do que sugeriu António Costa ao invocar os “critérios europeus”, o documento que alegadamente sustentava essa mentira não foi da autoria dos técnicos, mas sim do gabinete da Ministra, com o objetivo, não conseguido, de neutralizar o coro de críticas dos reformados e de apresentar o corte real das pensões como inevitável.

Discutir e reforçar o sistema e o seu financiamento é sempre um desafio em aberto. O que o governo fez é, contudo, um gesto imperdoável. Porque não foi sério. Porque foi irresponsável. Porque lançou supeição sobre um pilar fundamental do Estado Social, fazendo um favor a quem quer miná-lo e pô-lo em causa. E porque era uma fraude descarada para tentar legitimar o corte de mil milhões nas pensões. Os dados públicos do OE confirmam-no hoje impiedosamente.

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