Aeroporto e o jogo das "escondidas". Ventura explora fragilidade de Pedro Nuno Santos
ANTONIO PEDRO SANTOS
Parlamento debateu, de urgência, a localização e construção do novo aeroporto de Lisboa a pedido do Chega. Em vez de Pedro Nuno Santos, foi o secretário de Estado Hugo Mendes que representou o Governo e defendeu um “consenso alargado”. Ventura acusou ministro de estar “escondido” e criticou “conluio" e acordo feito às “escondidas” com PSD. PCP quer Alcochete, PAN quer ponderar Beja e PSD ficou no meio: entre o poder e o protesto
Do Porto a Lisboa são, segundo André Ventura, “2h34 de viagem”. Ora, se Pedro Nuno Santos terminou de discursar, na cerimónia de apresentação do novo projeto de alta velocidade no Porto, às 11h56, teria tido tempo (segundo André Ventura) de chegar ao Parlamento e de representar o Governo no debate de urgência sobre a construção do novo aeroporto de Lisboa. Mas não o fez e isso serviu de base à argumentação que o Chega já levava preparada: um ministro “escondido”, que “não existe politicamente” e que foi impedido de ir ao Parlamento pelo primeiro-ministro, tal como foi desautorizado pelo mesmo primeiro-ministro quando decidiu unilateralmente avançar com a opção Montijo, primeiro, e Alcochete depois.
A ideia de um ministro fragilizado foi explorada ao máximo pelo Chega, que pediu um debate de urgência sobre o assunto depois de, esta sexta-feira, Governo e PSD terem chegado a entendimento sobre a metodologia que levará à decisão sobre a construção do novo aeroporto. “Temos dois partidos em conluio absoluto, um ministro incapaz e escondido e um governo à deriva numa das maiores obras públicas da nossa história”, disse André Ventura na abertura do debate, evidenciando ao que ia: disparar para todos os lados e deixar a descoberto o “conluio” entre PSD e Governo que permite ao Chega chamar a si o rótulo de partido da oposição.
Sem o ministro da pasta no hemiciclo - foi o secretário de Estado das Comunicações, Hugo Mendes, que esteve presente -, André Ventura atacou em particular a ausência de Pedro Nuno Santos. “É lamentável que o ministro que esteve reunido com o líder do PSD se recuse a vir à casa da democracia dizer ao país qual é a localização do novo aeroporto e quais os estudos que a sustentam”, atirou, falando na “tremenda incapacidade” e na “cobardia” do ministro Pedro Nuno Santos que, no seu entender, “já não existe politicamente”.
Depois de Hugo Mendes, o secretário de Estado que assinou o despacho que acabaria revogado por António Costa, ter subido ao púlpito para fazer a defesa da metodologia escolhida pelo executivo e fazer juras de amor ao diálogo “o mais alargado possível”, coube à ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares fazer a defesa da honra de Pedro Nuno Santos. Segundo Ana Catarina Mendes, o ministro só não esteve presente no hemiciclo porque não pôde. “O debate foi convocado esta semana, de urgência, e o senhor ministro já tinha uma cerimónia marcada, juntamente com o primeiro-ministro, e foi por essa razão que não pôde estar neste plenário”, disse, garantindo que “o respeito que o governo tem por esta camara é total e absoluto”.
Mas o argumento não foi comprado e Ventura continuou a disparar: de Lisboa ao Porto são, segundo o deputado, menos de 3 horas de viagem, e, feitas as contas, teria sido possível. Para André Ventura, “todos sabem porque é que o ministro não veio”. “Porque António Costa não o deixou”, atirou.
Em causa está a reunião da passada sexta-feira, em São Bento, onde Luís Montenegro e António Costa, acompanhados de Miguel Pinto Luz e Pedro Nuno Santos, chegaram a acordo sobre a metodologia de avaliação das condições para a construção do novo aeroporto. No prazo de cerca de um ano, até ao final de 2023, será criada uma comissão técnica, com pendor científico e académico, para fazer a Avaliação Ambiental Estratégica sobre as várias hipóteses em cima da mesa - e as demais que os técnicos acharem por bem avaliar. Santarém foi uma das propostas que Costa admitiu vir a ser avaliada.
E foi isso que levou o Chega a questionar o que levou o Governo e o PSD a admitirem avaliar a hipótese Santarém - “que serve apenas os interesses do grupo Barraqueiro”, segundo o deputado Filipe Melo - sem sequer avançar antes com as obras na Portela. Para Ventura, as obras já deviam ter começado há muito e só não avançaram por culpa do Governo e da tríade António Costa, João Leão e Fernando Medina.
“Há três anos, o governo comprometeu-se com obras na Portela, que não avançaram por culpa do ministro das Finanças. João Leão, António Costa e Fernando Medina têm bloqueado obras no aeroporto - o caos que vimos este verão tem um único responsável: o governo socialista”, disse, sublinhando que antes de as obras estarem feitas, o primeiro-ministro e o líder da oposição “fecharam-se para decidir anunciar uma outra localização que nem estava em cima da mesa: Santarém”.
“O que levou o governo a ter novas alternativas como Santarém? Quanto vai gastar a expropriar terreno?”, atirou Ventura, sugerindo que essa opção serve os “interesses” particulares do grupo Barraqueiro.
Nos pedidos de esclarecimento, nem PSD nem PS pediram a palavra, dando seguimento à regra não escrita de não incentivarem as intervenções do partido Chega, mas tanto IL como BE, PCP, PAN e Livre usaram o tempo que tinham disponível para criticar a forma como o Governo está a conduzir o dossiê. No entender da deputada Paula Santos, do PCP, a opção de Alcochete [defendida pelo PCP] só nao avança porque o governo nao quer enfrentar “os interesses da Vinci”, e para Inês Sousa Real a hipótese que devia estar a ser estudada era a de Beja. De caminho, a deputada do PAN questionou ainda o Governo sobre a alteração à lei que acaba com a possibilidade de veto das autarquias envolvidas.
Já João Cotrim de Figueiredo, da IL, criticou o “argumento infantil” de António Costa, que disse que “quem esperou 50 anos espera mais um” e criticou a morosidade do processo e o facto de Governo e PSD se terem entendido para adiar o processo em mais um ano de estudos. Já o BE acusou o Governo de “irresponsabilidade” na gestão do processo, com Joana Mortágua a recordar os episódios de avanços e recuos que envolveram, recentemente, António Costa e Pedro Nuno Santos e a invocar o humorista Ricardo Araújo Pereira que, no último domingo, lembrou os vários estudos e promesas feitas desde a década de 70 para a construção do novo aeroporto.
Já depois de o secretário de Estado falar, o deputado socialista Carlos Pereira ainda admitira que, no conjunto, os sucessivos governos não fizeram “tudo bem” no que ao aeroporto diz respeito, mas agora é que é. “Junto com o maior partido da oposição, estamos empenhados para encontrar uma solução sólida para o país”, disse, ressalvando que “haverá tempo” para os restantes partidos participarem na discussão.
Paulo Rios de Oliveira, do PSD, não diria muito diferente, criticando o facto de o debate desta tarde pouco ou nada ter contribuído para o debate sobre a localização do novo aeroporto e reiterando que, apesar de o PSD ter tido a “responsabilidade” de firmar um acordo, a decisão final é do governo. Ainda assim, o PSD é um partido de “poder” e não de “protesto” e é nesse intervalo que está entalado. “Conluio?”
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