Na apresentação do livro de 'Crónicas sobre o Douro... e outros Temas', o atual líder da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte (CCDR-N), António Cunha, lembrou, esta quarta-feira, no Porto, que, entre os muitos cargos que ocupou, é como presidente “desta Comissão” que Luís Braga da Cruz gosta de ser relembrado. “O que diz muito da sua personalidade”, referiu o presidente em exercício, que, a par de Luís Valente Oliveira, titula de “pai fundador” da instituição que ambos ajudaram “a levantar sobre as causas do Norte e sobre a causa regional”.
A regionalização é o desígnio de uma das crónicas do antigo ministro da Economia no Governo de António Guterres, onde alerta que a causa não foi chumbada pelo referendo de 1998: “O que foi rejeitado foi o mapa proposto”, parafraseou o líder da CCDR-N, alertando, tal como Braga da Cruz, que a Constituição e as suas normas “não são referendáveis”.
Para António Cunha, o meio século de história da CCDR-N mais não é do que o ensaio, o laboratório e o amadurecimento do projeto regional, “uma governação moderna, democrática, de confiança e de proximidade”. E acentua a vantagem das políticas de proximidade porque o Norte não é o Alentejo, como Trás-os-Montes não é a Área Metropolitana do Porto, e, “só interpretando a diversidade, o país pode agir a “favor do todo”.
“Queremos, apenas, mas convictamente, que Lisboa seja a capital de um país mais rico e mais coeso, a capital de um país que cumpra a esperança de desenvolvimento e de bem-estar trazida pela Revolução de Abril e posterior entrada na CEE”, enfatizou, desígnio que o ex-reitor da Universidade do Minho adverte não se alcançar por “fórmulas uniformes de uma folha de cálculo que são cada vez mais arquétipos distantes da realidade, apenas aceitáveis para quem desconhece essa realidade”.
O presidente da CCDR-N sublinhou que o livro de Braga da Cruz esbarra de frente com estas e outras questões de governação do território, alertando que passados tantos anos é impossível continuar a trabalhar apenas na “trincheira de uma resistência negociada, por muito romântica que seja”. Cunha, indicado em convergência pelo PS e PSD e eleito pela primeira vez num sufrágio de autarcas locais e não nomeado pelo Governo, defende que o modelo centralizado do Estado e de desenvolvimento socioeconómico vigente - “modelo de que as CCDR são subsidiárias” - está esgotado e “todos os dias chegam sinais do seu cansaço”.
A comprová-lo, aponta as crises sucessivas que o país tem atravessado e a dificuldade em crescer de modo sustentado e coeso, confirmando “um Estado impotente e a esboroar-se”, independentemente dos diferentes governos. Apesar de considerar que o papel de desconcentração das CCDR já foi tão longe quanto possível, António Cunha conclui que, administrativamente, a instituição, nos seus poderes e competência, “é pouco diferente de uma mera direção-geral”. E não tem dúvidas que as limitações sentidas por Luís Braga da Cruz nas décadas de 80 e 90 para tomar decisões ou gerir um orçamento são, 30 anos depois, as mesmas que sente ele próprio hoje, ou até mais graves: “Os constrangimentos no acesso à participação na discussão de políticas nacionais e europeias são os mesmos, ou talvez mais desfavoráveis”.
A finalizar a crítica intervenção, numa altura em que o referendo à regionalização, prometido pelo primeiro-ministro, António Costa para 2024, mas comprometido pela posição do novo líder do PSD, Luís Montenegro, António Cunha garantiu que o modelo centralizado e macrocéfalo na capital, dependente e envelhecido nos territórios, a ninguém beneficia.
“Não se pode gerir o presente e o futuro num escritório de gavetas estanques”, sublinha, notando que na gestão dos fundos o tamanho do cheque importa tanto quanto a sua aplicação e destino. Um recado para os programas de investimento geridos centralmente e com uma participação deficitária das regiões, num padrão repetitivo ao longo dos diversos quadros comunitários de apoio. “O modelo do pronto a vestir tarda em ser substituído pelo modelo feito à medida”, afirma, sem deixar de prevenir que foi com esta expetativa que se candidatou e é presidente da CCDR_N.
Cadilhe culpa centralismo pela chegada da troika
O antigo ministro das Finanças nos governos de Cavaco Silva, autor do prefácio do livro de crónicas de Braga da Cruz, também fez da defesa da regionalização o mote da sua intervenção. Miguel Cadilhe alega que a regionalização de Portugal Continental é fundamental, não por razões históricas ou sociológicas, mas por imperativo económico e social: “Ou seja, o do desenvolvimento e da equidade do território e da população”.
No auditório da sede da CCDR_N, batizado a partir de agora Luís Braga da Cruz, Cadilhe vincou que liberdade e subsidiariedade andam a par e que o contrário de subsidiariedade é o centralismo. Para Miguel Cadilhe, o princípio da subsidiariedade está associado “ao princípio da vigilância”. Defensor que a boa descentralização é aquela em que vigora o bom controlo central, alega que, quando a descentralização político-administrativa derrapa financeiramente, “a falha é das instituições de vigilância centrais”.
Crítico do atual regime das CCDR, o antigo ministro das Finanças refere que a eleição indireta, instituída por decerto em 2020, é um misto de desconcentração e tímida descentralização, “um híbrido de eleição e nomeação, de dependência hierárquica” e representatividade democrática. “No fundo, um modelo estranho ao estatuto constitucional e distante de funções descentralizáveis”.
Tal como Braga da Cruz, António Cunha e Valente Oliveira, “outro pai fundador da CCDR-N” nas palavras do seu atual líder, também Cadilhe advoga que o princípio constitucional das regiões do país não é referendável, “apenas o seu desenho concreto”. Sem meias-palavras, atirou que foi pela mão do centralismo que Portugal caiu “no colapso das finanças públicas e nos braços pouco amoráveis da toika em 2011”.
“O centralismo fomentou o descontrolo e o endividamento, e a vinda da troika”, escreveu no prefácio e repisou hoje, descrente na “auto-reforma de um Estado pesado, centralista e macrocéfalo, como é o nosso”.
Miguel Cadilhe defendeu ainda que Portugal precisa e muito de um 'Movimento pelo Interior II', desta vez com uma voz mais sonora do que o primeiro movimento, lançado em 2018 e sem que as suas 20 propostas de defesa do interior fossem acolhidas. “Julgo que há espaço para a sociedade civil e uma nova geração para reabrir o movimento, mais reivindicativo, com voz mais sonora e sem que doam as vozes nem as nozes a quem pegar no Movimento II”, disse. O movimento originário, “encerrou para balanço”, após o primeiro-ministro, António Costa, ter aproveitado então as propostas para fazer “propaganda” daquilo que o Governo já fizera ou ia fazer: “Muito pouco”.
“Em prol do interior, o presidente da Assembleia da República (Eduardo Ferro Rodrigues) foi o único que agarrou nas propostas, mas não tinha o poder executivo e pouco poderia fazer”, adiantou, sem poupar ainda o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “que como é um homem muito inteligente chutou para canto, apesar de ter acarinhado o movimento”.
A título de exemplo do que permanece por concretizar, apontou a reabilitação e modernização da Linha do Douro apresentada pela Liga dos Amigos do Douro Património Mundial, em 2019, petição que mereceu “a unanimidade parlamentar de todos os partidos”, mas, desconfia, irá, “lamentavelmente”, ficar subalternizada nas prioridades do investimento público, que, em Portugal, “são as prioridades do centralismo”.
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