10 fevereiro 2022 16:42
A maior parte dos governos europeus é formada por coligações. Maiorias absolutas como a do PS são raras e explicadas pelos sistemas eleitorais. Socialistas portugueses em contramão
10 fevereiro 2022 16:42
Se o Governo português já era um caso raro em 2019, mais raro saiu das eleições antecipadas de 2022. Na União a 27, há apenas três países onde os partidos alcançaram a maioria absoluta (um deles já a perdeu durante a legislatura). E para todas essas maiorias existe uma boa explicação.
Comecemos por França, um regime semipresidencialista. A menos que haja maioria logo à primeira volta, a eleição faz-se a dois tempos — nas últimas, em 2017, Emmanuel Macron foi eleito com mais de 60% dos votos, mas na primeira volta não tinha chegado sequer aos 25%. Nas legislativas desse ano, para a eleição dos 577 deputados da assembleia nacional francesa, também a duas voltas, o partido de Macron, o La République en Marche!, conquistou a maioria absoluta, elegendo 314 – uma maioria entretanto perdida, com a dissidência de alguns deles (em maio de 2020, o partido passou a estar abaixo dos 289 necessários para segurar a maioria).
Na Grécia, a maioria absoluta não é obrigatória, mas muito facilitada por um sistema de bonificação que garante ao partido mais votado 50 deputados extra. Foi o que aconteceu aos conservadores da Nova Democracia em 2019, quando afastaram o Syriza, de Alexis Tsipras, e chegaram aos 158 deputados, num Parlamento com 300. O terceiro caso, Malta, é também especial, uma vez que se trata de um exemplo clássico de bipartidarismo: no Parlamento, exceção feita a alguns independentes, há apenas representantes dos dois partidos do bloco central, que alternam no poder desde a independência daquele arquipélago no Mediterrâneo, em 1964.

Em Portugal, não há nenhuma especificidade ou regra não escrita que favoreça maiorias absolutas, e o país vai na sexta do período democrático — quatro lideradas pelo PSD, duas com a Aliança Democrática de Francisco Sá Carneiro (1979 e 1980), e outras duas com Cavaco Silva (1987 e 1991); e ainda duas lideradas pelo PS, primeiro com José Sócrates, em 2005, e agora com António Costa.
Nacionalistas, uma questão europeia
Antes de conquistar a maioria absoluta, o primeiro-ministro português era um outro tipo de raridade: governava sozinho, mas em minoria. Ao contrário de 2015, em que a ‘geringonça’ assentava num acordo parlamentar, a partir de 2019 os acordos à esquerda passaram a ser pontuais e não chegaram para levar a legislatura até ao fim.
Olhando o mapa, confirma-se que a Europa também foge de governos minoritários de um só partido. Na Dinamarca, o SD, de centro-esquerda, governa em minoria, mas com apoio parlamentar de seis dos 14 partidos eleitos em 2019. É um apoio garantido por forças da mesma área política, mas também por verdes, liberais e até por independentistas da Gronelândia, região autónoma dinamarquesa.
Movimentos nacionalistas em ascensão na Europa têm ainda pouca influência governativa. Exceções são Polónia, Hungria e um caso singular: Itália, que tem governo de unidade nacional com vários partidos
No outro caso, a Suécia, a situação não durará muito mais, já que em setembro os suecos voltam às urnas. A coligação que formava o Governo caiu no final de 2021, com a saída dos verdes, mas deve voltar em 2022, seja qual for a configuração, e dependendo do partido mais votado. E aí abre-se uma discussão que atravessa quase todos os países europeus, Portugal incluído: se o centro-esquerda da atual primeira-ministra for derrotado, o principal rival vai aceitar fazer um acordo com a extrema-direita, em crescimento, do Sweden Democrats? A bola está do lado do partido de centro-direita, curiosamente chamado Moderate Party (Partido Moderado).
Apesar da ascensão de movimentos nacionalistas em toda a Europa, a influência governativa é, até ver, escassa, e quase circunscrita a Polónia e Hungria. Além de um outro caso excecional: Itália. Depois de mais uma crise política, num país que vai em dez governos em 22 anos, o Presidente Sergio Mattarella foi chamado a formar um Governo de unidade nacional, liderado por um independente (Mario Draghi) e com ministros de quase todos os partidos com assento parlamentar, incluindo a Lega Nord, de Matteo Salvini.
Socialistas em contramão
Na Europa, o mais comum são mesmo as coligações multipartidárias. E muitas levam meses a decidir. Na Holanda, foi preciso esperar 271 dias, quase nove meses, entre as eleições e uma solução. Um recorde de negociações quase tão impressionante quanto os cerca de dois anos em que a Bélgica esteve com um executivo de gestão, por falta de um acordo de governo (que chegou em 2020, com sete partidos). Já o impasse holandês resolveu-se no início de 2022, com uma coligação de quatro partidos de centro-direita, liderada por Mark Rutte, o homem que chefia o Governo desde 2010. A solução não era óbvia, uma vez que das eleições de 2021 tinha saído um xadrez parlamentar de 17 forças políticas.
O caso alemão é ilustrativo da capacidade de negociação. A chamada “coligação semáforo” é formada por socialistas, liberais e também pelos verdes
Em termos de composição dos parlamentos, Portugal deixou de ser um caso tão excecional em 2019, quando entraram três novos atores políticos: o Chega, a Iniciativa Liberal e o Livre. Mesmo com a queda do CDS e do PEV em 2022, a Assembleia da República tem agora oito partidos representados, em vez dos seis que teve entre 1999 e 2015, altura em que o PAN furou a bolha de PS, PSD, CDS, BE, PCP e PEV. Em 2022, é um Parlamento mais variado que o da Alemanha, por exemplo, e em linha com o de vários países europeus.
Voltando a governos, o caso alemão é ilustrativo da capacidade de negociação de forças políticas diversas. A chamada “coligação semáforo”, que vai ficar à frente dos destinos da maior economia da União Europeia, é formada por socialistas, liberais e também pelos verdes, uma presença assídua em governos europeus, ao contrário do que acontece por cá.
Mas detenhamo-nos nos socialistas. Embora estejam presentes em vários governos, parecem em relativo declínio. Como assinalava o diretor-geral de informação do grupo Impresa, Ricardo Costa, na última edição do Expresso, o SPD alemão governa, mas alcançou apenas 25% dos votos. O PSOE espanhol também lidera um executivo de coligação, mas tendo ficado pelos 28% de apoio dos eleitores. Em França, que vai a votos em abril, a candidata socialista, Anne Hidalgo, é presidente da câmara de Paris e nem assim ultrapassa os 3% das intenções de voto (Macron e Marine Le Pen mantêm a disputa). Ao apresentar a candidatura, Hidalgo disse mesmo que é preciso a esquerda unir-se, caso contrário “vai ser impossível continuar a existir neste país”. Também aqui, António Costa, o PS e Portugal seguem em contramão.
*Nota: artigo atualizado com informação sobre a maioria absoluta que Emmanuel Macron e o seu La Republique en Marche! conquistaram em 2017, e entretanto perderam. Assim, agora existem apenas dois países além de Portugal com governos de maioria absoluta.