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Jorge Coelho, o ‘bulldozer’ socialista que foi radical e moderado e amigo do seu amigo (até dos adversários)

Jorge Coelho, o ‘bulldozer’ socialista que foi radical e moderado e amigo do seu amigo (até dos adversários)
Ana Maria Baião Correia

O socialista que era tão amigo de camaradas como de adversários morreu subitamente. Já tinha vencido um cancro, já tinha sido quase tudo na política, já tinha sido radical, moderado, escudo e lança de António Guterres, já se tinha servido da sua rede de contactos nos negócios, já tinha regressado à terra para criar uma queijaria. Jorge Coelho atendia sempre o telefone assim: "Então o que manda o meu caro amigo?"

“António, vou‑me demitir”, comunicou ao primeiro-ministro e amigo na noite trágica. “Não faças isso, Jorge. Não tens culpa nenhuma do que aconteceu”. Não tinha a culpa, mas tinha a responsabilidade. Desligou. Abandonou um jantar com amigos e foi andar a pé sozinho por Oeiras. Fez um balanço de vida, a decisão estava tomada. Ligou ao assessor de imprensa e mandou convocar uma inesperada conferência de imprensa para as três da manhã. Só depois voltou a falar com António Guterres, já estava tudo em marcha, era irrevogável: “Não há outra forma. Uma coisa desta dimensão exige uma tomada de posição radical. São muitos mortos, pá”, disse-lhe, segundo o diálogo reproduzido na sua biografia da autoria do jornalista Fernando Esteves. “Temos de dar o exemplo. Se não saio, isto vira‑se contra ti”. E então anunciou a um país pouco habituado a gestos desta largueza, que se demitia de ministro do Equipamento Social porque “a culpa não pode morrer solteira”. Mas, não fosse ele, morreria: tirando a sua decisão, ninguém seria responsabilizado depois na Justiça pelas falhas do Estado.

À hora da demissão, no Norte do país, preparavam-se as buscas às dezenas de vítimas da queda da Ponte Hintze-Ribeiro, em Entre-os-Rios. Jorge Coelho entrava para a história da democracia como um exemplo. Foi há 20 anos, no início de março de 2001. Tinha 46 anos. Jorge Coelho morreu subitamente esta quarta-feira, aos 66 anos, depois de ter vencido um cancro, depois de sido quase tudo: jovem radical, chefe de gabinete, governante em Macau, deputado, ministro, patrão do aparelho do PS, 'bulldozer' político, membro do Conselho de Estado, comentador televisivo, colecionador de arte e amante de pintura, consultor, gestor de empresas… amigo de camaradas e de adversários, fabricante de queijos na sua terra natal, Mangualde, distrito de Viseu. Jorge Coelho, o braço armado do guterrismo nas lutas internas e depois nas guerras de poder no Governo, era o homem que atendia sempre os telefones com esta frase: “Como vai o meu caro amigo, que manda?”. E era amigo de muitos.

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