Está prestes a terminar o impasse nos Açores. Ou, se calhar, a começar outro mais longo e imprevisível. André Ventura cansou-se da indefinição do PSD e, perante o facto de Rui Rio não se comprometer a avançar também com uma proposta de revisão constitucional, deverá ordenar ao Chega/Açores que vote contra o Governo de coligação PSD/CDS/PPM, segundo apurou o Expresso.
Nos últimos dias, as delegações do PSD e do Chega têm mantido contactos, mas José Manuel Bolieiro, líder dos sociais-democratas na região autónoma, não conseguiu refrear as exigências de Ventura. Além disso, o dirigente açoriano também não terá sido capaz de convencer Rio (que usou sempre a autonomia regional para justificar o alheamento das rondas negociais) a ir a jogo no que toca a uma nova visita à lei fundamental.
Esta quarta-feira, as delegações dos dois partidos voltaram a conversar. Bolieiro saiu do encontro incumbido de encontrar alguma forma de cumprir o caderno de encargos de Ventura, mas aquilo que lhe foi pedido ultrapassa a sua esfera de decisão. Até à hora de publicação deste artigo, garantiam ao Expresso do lado do Chega que não tinham feedback.
Questionado sobre as exigências do Chega/Açores a somar ao caderno de encargos de Ventura, o líder regional do Chega recusa adiantar pormenores, considerando que é mais adequado do ponto de vista institucional que só sejam tornados públicos após a reunião com o representante da República para os Açores, agendada para sexta-feira. "Não vou para já revelar detalhes, são assuntos que merecem recato", sublinha.
O partido da direita radical interpreta o silêncio como um "não" às suas exigências e, numa jogada de risco, decide romper. Não se importa sequer com a hipótese de vir a ser culpado por manter Vasco Cordeiro ao leme do Governo Regional. "Ouvi isso durante muitos meses, que o Chega seria o responsável por o PS se perpetuar no poder, também sobre República, mas os nossos valores são estes", assegurava Ventura, ao Expresso, na terça-feira. A ingovernabilidade ou o caos não o assustam. E o guião para os próximos atos eleitorais fica dado: "Cedo ou tarde nós vamos ganhar. Até lá, temos de nos manter firmes nas nossas convicções."
Ora, além das reivindicações de âmbito regional (como a auditoria à gestão dos governos do PS ou a criação do plano de combate à corrupção, que o PSD acompanharia sem problemas), Ventura tencionava que os resultados das regionais ganhassem dimensão nacional. Como? "Amarrando" Rio a uma iniciativa do Chega na Assembleia da República. A metodologia até ficaria ao critério do líder social-democrata, que poderia "apresentar propostas de alteração aos projetos" do Chega até dia 9 de novembro ou assinar um acordo com um calendário alternativo acertado entre as duas partes.
Em Lisboa, o PSD arrumou o assunto. Adão Silva, líder da bancada "laranja", adiantou à Lusa que o partido avançará com um projeto próprio, embora "mais tarde" e não a reboque do Chega, cuja iniciativa até poderá ficar em banho-maria, caso se confirme que o Presidente da República declara novo estado de emergência. De nada terá servido uma reunião discreta que os dois líderes terão mantido no Parlamento, na semana passada, que fonte oficial dos sociais-democratas nega (sugere, com ironia, que Rio esteve reunido com Ventura no plenário), mas que Ventura não desmente. Pelo meio, o PS, por intermédio de José Luís Carneiro e de Ana Catarina Mendes, desafiou Rio a clarificar a sua posição, sugerindo que a "normalização política" do Chega constituiria uma ameaça à democracia.
O "aperto" aos dirigentes do Chega
Mesmo que até admitisse deixar cair algumas das suas bandeiras mais controversas - como a castração química de pedófilos -, Ventura não prescinde de uma reforma do sistema político que preveja a "redução do número de deputados". "Sem isso, não haverá acordo" nos Açores, alertou na terça-feira, mesmo perante a ameaça de uma rebelião insular no partido.
O líder do Chega/Açores afirmou que apoiaria a primeira versão de 'geringonça' de direita, mas Ventura tratou logo de o pôr em sentido, afastando cenários de revolta que permitissem a Bolieiro pescar em mares alheios - hipótese que o social-democrata, sabe o Expresso, mantém em aberto. Conformado, Carlos Furtado desdramatizaria depois, ao Expresso, o puxão de orelhas que levara no início da semana. "Não há qualquer divergência da minha parte com o presidente do partido", garantiu.
Já Ventura não teme casamentos por conveniência entre os dois deputados eleitos pelo Chega e o PSD: "Não seria admissível, seria uma violação grave das orientações do partido. Aliás, o presidente do Chega/Açores já veio referir isso hoje [terça-feira], diz que o Chega tem de estar coordenado e que não fala a várias vozes." Se tal acontecesse retirar-lhes-ia a confiança política? Ventura é categórico e faz uma ameaça (muito pouco) velada: "A eles como a quaisquer outros que entrassem em colisão com aquilo que o partido defende. Ou se conhece a nossa identidade e o nosso ADN ou vamos tornar-nos um partido muleta do regime."
A rutura à direita faz com que tudo volte à estaca zero. Vasco Cordeiro, que ganhou as eleições, deverá ser o primeiro a ser convidado a formar Governo, embora só tenha garantidos os votos do BE. Na sexta-feira de manhã, o representante da República começa a ouvir os partidos com assento na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, arrancando com o PAN. As audições terminam no sábado, com o PS, o partido mais votado. Sem soluções estáveis à vista, ganha força a hipótese de o arquipélago voltar a eleições. A menos que alguém mude de barricada. Ou dê o dito por não dito.
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