5 maio 2019 20:44
fernando veludo/lusa
Rui Rio protegeu-se mais do que Assunção Cristas, mas o acto com que pôs fim à iminência de uma crise política (dizendo como a líder do CDS que só aprovará a lei se for votada uma cláusula de salvaguarda em defesa das finanças públicas) também é um recuo. Em dois actos, se contarmos os do líder social-democrata, em três, se contarmos o que disse também a deputada do partido que negociou o diploma na especialidade, na última quinta-feira à noite
5 maio 2019 20:44
1. Sexta-feira, 12h25
Numa visita a Paços de Ferreira, Rui Rio salvaguardou três vezes que não tinha ainda visto o texto final aprovado em comissão. Mas foi muito convicto na defesa do que, de facto, lá tinha sido aprovado. Eis o que disse o líder do PSD nessa altura, já com a ameaça de demissão do Governo a correr o país.
“Não vale a pena [o Governo] estar a dizer que tem um impacto de 100 milhões de 200 milhões ou 400 ou 500 milhões que não é assim. Em 2019 terá o impacto que está lá previsto ter [no actual OE] e nem mais um tostão. Portanto, estão a enganar os portugueses.”
“O Orçamento estará seguramente equilibrado. Se o tempo for contado daqui por um ano, dois, três, em tempo de aposentação, isso não tem impacto financeiro nenhum - até porque temos menos crianças e muitos professores que vão para a reforma nem têm que ser substituídos. Temos que ser sérios.”
“Impacto orçamental quando? Este ano não, para o ano se o Governo quiser, daqui por dois anos se o Governo quiser - seja quem for o Governo. O Governo está a mentir.”
“O PSD tem uma posição há mais de um ano. O que será aprovado com os votos do PSD, no plenário como foi na comissão ontem, de certeza absoluta que cumpre aquilo que eu sempre disse e não tem nenhum impacto orçamental para lá do que sejam as capacidades orçamentais do país.”
Naquela sexta-feira, há dois dias, Rio admitia - afinal - que já havia um texto votado na comissão. Este domingo disse que não (“Ainda nenhum diploma foi votado. Apenas se sabe o que cada partido queria alterar ou rejeitar.”).
Naquela sexta-feira, Rui Rio era muito firme a dizer que o que tinha sido votado não tinha custos nenhuns. Este domingo, porém, fez a ressalva que faz toda a diferença: “Se o Governo e o PS persistirem em recusar as cláusulas de salvaguarda financeira, então o PSD não poderá votar favoravelmente o diploma final, porque, ele, nessa circunstância, pode efetivamente vir a originar excessos financeiros que as finanças públicas poderão não conseguir suportar.”
2. No silêncio, duas vozes
Depois da declaração de António Costa, ameaçando com a demissão se o diploma fosse aprovado, Rui Rio remeteu-se ao silêncio - desmarcando até várias iniciativas que tinha previstas para sábado.
Mesmo assim, falou pelo PSD Margarida Mano, a deputada que negociou com PCP, BE e CDS a votação na especialidade. E disse isto: “O primeiro-ministro mentiu deliberadamente relativamente a vários pontos. É falso que o tempo todo de serviço não tivesse sido assumido pelo Governo. Os números que estão em cima da mesa são os números que estavam previstos no diploma [do Governo]. Não há qualquer impacto financeiro. O primeiro-ministro ameaçou a demissão com base num valor que não é conhecido e que dependerá do próximo Governo”.
Quem também falou, no jornal "Público", foi David Justino, desafiando o PS a apresentar “uma proposta alternativa” para contar todos os anos de carreira dos professores. Disse assim:
“[A proposta do PSD] foi feita com pés e cabeça, não obstante o Governo não ter dado nenhuma informação sobre o impacto financeiro da medida. [A questão] reside na forma como se vai concretizar, se é através de progressões ou por via da despenalização de reformas antecipadas. A educação está a precisar disso como de pão para a boca. O Governo quer dramatizar o assunto e dizer que a oposição é irresponsável, é a cantilena do costume”.
3. O acto final
Na conferência de imprensa de domingo, Rio acusou o Governo e PS de terem faltado à sua palavra depois de terem prometido repor toda a carreira aos professores (o que é facto no que respeita ao PS, não ao Governo), acusou o PS de ter chumbado na especialidade uma cláusula de salvaguarda que protegeria a aplicação da medida (o que é verdade), mas passou por cima da negociação que o PSD fez, cláusula a cláusula, na comissão, com os deputados do PCP, BE e CDS para que o diploma fosse lá aprovado na especialidade.
Porém, se insistiu que “O único impacto financeiro real decorrente diretamente das alterações introduzidas no documento que vai ser votado no Parlamento, é o que decorre da antecipação, em 12 meses, da contagem dos dois anos que o próprio Governo já assumiu - e nada mais!”, acabou por anunciar que fará o mesmo que Assunção Cristas: chamará à votação na discussão final a dita cláusula de salvaguarda e, caso esta chumbe, acabará por reprovar o documento:
“Se o Governo e o Partido Socialista persistirem em recusar as cláusulas de salvaguarda financeira, então o PSD não poderá votar favoravelmente o diploma final, porque, ele, nessa circunstância, pode efetivamente vir a originar excessos financeiros que as finanças públicas poderão não conseguir suportar.”
A reviravolta no discurso é, também, diferente da que dizia ao Expresso na sexta-feira à noite uma fonte da direção do partido: que era preciso ver no texto da lei (final) se alguma coisa proibia o Governo seguinte de fazer o pagamento aos professores de uma forma financeiramente sustentável.
Agora, só haverá crise se a esquerda (PCP e BE) também der um volte-face na sua posição e acabar por aceitar essa cláusula final. Aquela que chumbaram na comissão quando, em simultâneo, a direita chumbou o seu calendário de pagamento aos professores. Foi a troca que permitiu a aprovação do texto na especialidade. Resistiu três dias apenas.