Política

Costa de portas abertas em modo Marcelo: “À saúde do Babush!”

25 abril 2019 20:32

ana baião

O primeiro-ministro passou uma tarde agradável no palácio de São Bento: gritaram-lhe que é "o maior", pediram-lhe fotografias, foi engolido num abraço de grupo. A expressão do rosto só se fechou quando foi hora de responder à polémica da Lei de Bases da Saúde. Mas Costa jogou em casa

25 abril 2019 20:32

- Eles [os ministros] têm um prédio inteiro em Campo de Ourique, sabias? Desde o tempo do Almeida Santos. Aqui eles faziam o Conselho de Ministros na cave, não sei se ainda fazem.

- Não sabia.

- E sabias que aquele tipo de Coimbra, o Alberto Martins [ex-deputado], nasceu no 25 de abril?

- Está bem, mas foi noutro ano…

O grupo de homens desfia curiosidades para matar o tempo enquanto espera a sua vez de entrar no Palácio de São Bento, residência oficial do primeiro-ministro. Passa pouco da hora de almoço e, apesar de este não ser um abril excecionalmente quente, quem aguarda de pé aceita as garrafas de água distribuídas pela equipa de António Costa para se refrescar, como se de um festival de verão se tratasse. É precisamente com essas garrafas que o mesmo grupo, animado pela conversa, decide brindar:

- À saúde do Costa! O "Babush"!

ana baião

“Babush”, como o primeiro-ministro já explicou em entrevistas antes, é o termo carinhoso que a família de origem goesa usa para se referir a si. E é neste ambiente alegre, quase familiar, que António Costa recebe as filas - intermináveis - de visitantes que acorrem a São Bento neste feriado. Sorrisos, selfies, beijinhos são a constante. Estamos em São Bento e não em Belém, mas o ‘modo Marcelo’ está ativado.

Quando este grupo de homens que trocava trivialidades sobre "Babush" entra nos jardins de São Bento, que todos os anos são abertos ao público neste dia, ouve-se ao fundo a Orquestra Filarmónica Gafanhense, que atua por meia hora. E é depois de assistir ao concerto que Costa, acompanhado pela mulher, Fernanda Tadeu, começa a tarefa de atravessar os jardins para assistir à atividade seguinte. Chamamos-lhe tarefa e não é das fáceis: há engarrafamentos constantes, dados os pedidos para tirar fotografias e dar beijos ao primeiro-ministro.

“É uma simpatia, este António Costa”, comenta uma senhora, enquanto outra ajuda o primeiro-ministro a apanhar o cravo que lhe caiu da lapela. “Os meus filhos andam por aí, não querem saber do primeiro-ministro…”, lamenta outra. Os contactos constantes não permitem a Costa avançar no percurso definido, que raramente troca mais que umas poucas palavras de circunstância com as visitas: “Tudo bem? Que idade tens? Tiro sim, a mãe e o pai também querem?”

ana baião

É apenas quando chega às barraquinhas de iguarias portuguesas que chegam as primeiras, e muito escassas, queixas. É ali que prova o primeiro espumante e depois recusa beber mais - só há álcool nas bolachas de cerveja e de vinho do Porto que prova ao lado da mulher. “Não se sente com coragem para beber um medronho?”. Não, não sente, responde Costa, logo de seguida abordado por uma senhora que lhe descreve um cenário negro: diz ter uma fibromialgia e uma prótese na coluna, receber 300 euros de reforma, pede ajuda ao primeiro-ministro. A equipa de Costa é eficaz: as queixas são rapidamente interceptadas e recolhidas pelos assessores, deixando assim o primeiro-ministro avançar e pôr fim às conversas.

Ouvidas as queixas, baixinho, Costa fica livre para assistir a um momento mais simpático: a atuação de um grupo de crianças da Cova da Moura que vem “cantar modas alentejanas”. Sorrisos, brincadeiras com miúdos, mais fotografias, uma canção que implica “uma salva de palmas para o 25 de abril”. No fim, o auge da simpatia e da familiaridade: o grupo coral não só quer tirar uma fotografia ao lado do primeiro-ministro como ainda faz questão de lhe dar um abraço de grupo - mal se vê Costa, engolido pelos afetos das crianças.

ana baião

Antes de partir para a fortaleza de Peniche, Costa ainda consegue, em tempo recorde, ir buscar Ferro Rodrigues à Assembleia da República e assistir a uma performance de um grupo de bailarianos da Companhia Nacional de Bailado. Mas falta cumprir o momento em que o primeiro-ministro sorri menos em todo o dia: as declarações aos jornalistas, que o questionam sobre a polémica que rodeia a Lei de Bases da Saúde. “Não há polémica nenhuma”, garante o primeiro-ministro, que aproveita assim para desvalorizar a posição do Bloco de Esquerda - o partido diz estar “em choque” com o recuo dos socialistas, com quem vinha negociando o fim das Parcerias Público-Privadas no setor - e colocar-se em sintonia com Marcelo Rebelo de Sousa. Tudo poderá estar bem quando acaba bem: esta manhã, ainda durante as comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República, Rui Rio admitiu votar “favoravelmente” a proposta socialista, como o Presidente da República desejava. E da escadaria da residência alguém o encoraja, gritando: “O Costa é o maior!”.

Além da Saúde, Costa ainda é questionado sobre o momento em que, esta semana, durante o jantar de aniversário do PS, viu o seu discurso interrompido por um grupo de ambientalistas contra o aeroporto do Montijo - e que conseguiram mesmo subir ao palco, ao seu lado. Sente-se seguro aqui, em São Bento, com tanta gente à volta? “Seguríssimo”, responde, impávido. Ali, está a jogar em casa. As selfies continuam, os beijos continuam. À saída, a fila de pessoas para entrar, apesar de a tarde já ir avançada, dá a volta a todo o edifício da Assembleia da República. Já nem do grupo de cerca de doze coletes amarelos que há horas desafiavam o primeiro-ministro, solitários (“Ó Costa, anda cá”), há réstias.