Política

“Infantil” demitir: quando Costa segurou ministros... que depois caíram

14 outubro 2018 18:42

foto filipe farinha / lusa

Ser segurado pelo primeiro-ministro nem sempre é bom augúrio: apareceu ao lado de Constança Urbano de Sousa dois dias antes de aceitar a sua demissão e fez o mesmo com Azeredo Lopes; sobre Adalberto Campos Fernandes, desafiou todos os que esperavam a demissão do ministro a “tirarem o cavalinho da chuva”

14 outubro 2018 18:42

Na política, como no futebol, quando um primeiro-ministro vem reiterar a confiança num determinado mister (ou ministro, neste caso) é sinal que das duas uma: ou os resultados mudam ou vem aí uma “chicotada psicológica” à antiga. As remodelações ministeriais de António Costa são o exemplo disso mesmo: à exceção de João Soares, caído imediatamente em desgraça depois de prometer no Facebook umas “salutares bofetadas” a Augusto M. Seabra, o líder socialista segurou sempre os seus ministros… até deixar de o fazer e sentir que era tempo de dar lugar a outros protagonistas. Foi assim com Caldeira Cabral e Luís Castro Mendes, mas, sobretudo, com Constança Urbano de Sousa, Azeredo Lopes e Adalberto Campos Fernandes.

A 16 de outubro de 2017, quando o país enfrentava nova vaga dramática de incêndios, António Costa apareceu ao lado de Constança Urbano de Sousa na Proteção Civil e reagiu com algum enfado aos jornalistas que perguntavam sobre as condições da ministra para se manter no cargo. “Se a ministra não tivesse condições para ficar, eu não estava aqui ao lado dela. É até um bocado infantil pensar que consequências políticas significam demissões", insurgia-se o primeiro-ministro. A 18 de outubro, depois de um discurso violentíssimo de Marcelo Rebelo de Sousa, a então ministra da Administração Interna demitiu-se.

Poucos meses antes, em julho, o assalto aos paióis de Tancos deixara o ministro da Defesa sob fogo. Isso e a sua própria gestão política do caso: ora sugeria que, “no limite”, podia nem ter havido roubo, ora garantia que o dito material de guerra estava obsoleto; ora assumia que desconhecia a quantidade do material roubado, ora celebrava, efusivamente, a recuperação do material (com uma caixa de petardos como bónus), um “feito inédito em democracia”. Feito esse que as autoridades agora suspeitam ter-se tratado de uma encenação cozinhada pelo Exército.

Fast foward. 26 de setembro de 2018. Na véspera, vários elementos da PJM, incluindo o seu diretor, tinham sido detidos pela PJ por suspeitas de estarem ligados ao assalto aos paióis de Tancos e ao seu alegado encobrimento. Com a oposição a aproveitar o debate quinzenal desse dia para apertar o cerco a Azeredo Lopes, António Costa defende o ministro com unhas e dentes. “Não é responsabilidade política de nenhum ministro estar à porta de um paiol a guardá-lo. Não só mantenho o meu ministro [da Defesa Nacional] como a ministra da Justiça. Mantenho todos os membros do Governo.”

Nos dias seguintes, a história ia conhecer novos desenvolvimentos. A 4 de outubro, o Expresso dá conta que Vasco Brazão, ex-porta-voz da PJM, tinha feito chegar em mãos um memorando ao chefe de gabinete de Azeredo Lopes que revelava todos os detalhes da encenação em torno da recuperação do material militar. Ao Expresso, Costa reitera a sua confiança no ministro: “Não suscita qualquer quebra de confiança”.

A 8 de outubro, três dias depois de Azeredo Lopes ter faltado às comemorações do 5 de Outubro, o ministro aparece ao lado de António Costa na base aérea de Monte Real. O primeiro-ministro defende (mais uma vez) Azeredo. "O senhor ministro é, como todos os membros do Governo, um ativo importante. O Governo é uma equipa, funciona em equipa e todos somos um ativo para que o Governo continue a desempenhar as suas funções e entregar ao país resultados que têm sido entregues.”

Dois dias depois, a 10 de outubro, no dia em que o ex-chefe de gabinete do ministro Azeredo Lopes tinha admitido pela primeira vez ter recebido, de facto, o dito memorando, Costa aproveita novo debate quinzenal para segurar o seu ministro: Azeredo Lopes tinha “toda a sua confiança”, sublinha. O resto do filme é conhecido: dois dias depois, Azeredo Lopes apresentaria a demissão.

Com Adalberto Campos Fernandes, o processo foi diferente e mais distendido no tempo. O titular da pasta da Saúde foi sempre um dos ministros mais em xeque do atual Governo, por causa das cativações impostas por Mário Centeno e pela sua dificuldade, sugeriam os seus detratores, em impor-se ao ministro das Finanças.

António Costa segurou-o sempre, mesmo no episódio da (não) transferência do Infarmed para a cidade do Porto. Numa fase prematura do processo, o primeiro-ministro chegou a sugerir que o ministro tinha sido “inábil” a gerir o dossiê, mas quando foi preciso dar a cara pelo ‘não’ definitivo, foi o líder socialista quem o fez, protegendo o ministro.

Em agosto, aliás, Costa mostrava consideração pelo papel algo ingrato do ministro da Saúde. “Não há um bom ministro das Finanças com um mau ministro da Saúde, nem um bom ministro da Saúde como um mau ministro das Finanças. Sei que é muito injusto quando naqueles estudos de opinião sobre quem é o melhor ministro há uns que brilham muito à custa das notas dos outros. Mas isso faz parte da vida do Governo. Aquilo que é fundamental é que cada um se sinta parte igual desta equipa”, explicava. Mais: Adalberto Campos Fernandes estava mesmo de pedra e cal, prometia o primeiro-ministro. “Se acham que [vou] demitir o ministro da Saúde, tirem o cavalinho da chuva.”

Alguns meses, e depois de uma noite de facto chuvosa, Adalberto caiu. Em defesa do primeiro-ministro, terá sido o próprio a pedir para sair.

Os casos de Caldeira Cabral e Castro Mendes são ligeiramente diferentes. O agora ex-ministro da Economia era há muito dado como “remodelável”. Não tanto por ação mas por omissão. Dele, António Costa chegou a dizer que era “tímido e talvez demasiado discreto”, o que foi interpretado como um cartão amarelo. E ainda corria o ano de 2016. Mais de dois anos depois, Costa dispensou o economista.

Castro Mendes enfrentou o mesmo processo. Poeta e embaixador de carreira, substituiu João Soares, uma figura com algum peso na família socialista, e o seu percurso no Ministério da Cultura foi muito discreto. Até quando não o foi (quando o sector em peso questionou o novo modelo de atribuição de apoios), não foi o ministro assumir a batalha: primeiro interveio Miguel Honrado, seu secretário de Estado; depois, finalmente, António Costa. O agora ex-ministro não foi tido nem achado, o que é elucidativo da sua falta de peso político no Governo. Saiu para dar lugar a Graça Fonseca, uma pessoa muito próxima de António Costa e de quem o primeiro-ministro espera mais agilidade e capacidade de reação.