“Paulo Macedo? A CGD é mais a praia dele”
26.12.2016 às 11h47
O ministro da Saúde diz que o remédio para os males da Saúde portuguesa não é injetar mais dinheiro, mas sim optar pela organização cirúrgica do sistema
Nuno Botelho
Diz ser dos poucos médicos que lê assiduamente os jornais económicos e por isso gosta de números. As contas que faz permitem-lhe garantir como ministro da Saúde que o remédio para os males da Saúde portuguesa não é injetar mais dinheiro, mas sim optar pela organização cirúrgica do sistema, aquela que o seu antecessor, que admira, não fez. Quase no fim do ano, revela que as contas vão bater certo com o que estava previsto e que a partir de 2017 os portugueses vão ter mais e melhor cuidados: desde novas instalações, exames atempados até médicos onde fazem falta.
O Tribunal de Contas concluiu que o Hospital de Braga, gerido por privados, travou assistência a doentes por restrições orçamentais, fazendo aumentar a lista de espera. É admissível?
Quando se fazem parcerias público-privadas (PPP) parte-se do princípio que há uma partilha de risco. Se o operador entende que sempre que há alterações das condições de procura esse risco tem de ser reapreciado, então o Estado não beneficia nada com a partilha de risco. É importante que os hospitais em regime de PPP tenham a noção de que os termos dos contratos têm de ser assegurados, nomeadamente em tempos de espera e em gestão de listas de acesso.
O relatório dá argumentos para renovar o acordo?
Temos de ser muito rigorosos e sensatos. Não estamos neste momento a analisar a PPP de Braga, só o contrato que se está aproximar do fim e que é a PPP em Cascais. A realidade de Braga daqui por um ano, quando a avaliação externa for feita, poderá ser diferente e até melhor do que aquela que é hoje.
Já disse informalmente à Lusíadas Saúde que iria abrir novo concurso para Cascais?
Transmiti informalmente ao presidente do grupo que não estava no horizonte do Governo fazer negociação direta. Será agora feita a notificação formal. Ao Governo caberá até ao final do ano tomar uma decisão sobre se segue a recomendação do Ministério das Finanças de concurso público ou se opta pela reintegração no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Entre abrir concurso ou passar para gestão para o SNS há uma grande distância. O que vai pesar mais na hora de decidir, a pressão dos parceiros (BE), do PR ou a questão ideológica?
Está escrito no programa do Governo que decidiríamos de acordo com a melhor evidência técnica, económica e clínica e é isso que vamos fazer. Naturalmente, que teremos em conta aquilo que são as opiniões políticas dos partidos que apoiam atualmente o Governo e a opinião que tem o PR.
O próprio primeiro-ministro disse ao Presidente que não tencionava acabar com as PPP na Saúde.
Vi isso no jornal, mas não estou presente nas conversas do senhor primeiro-ministro com o senhor PR e nem me atreveria a qualquer comentário.
O BE insiste muito no excesso de rendas na Saúde e tem vindo a exigir poupanças. Partilha a ideia de que há contratualização excessiva?
É nossa linha de orientação política reforçar o SNS na sua substância e em 2017 vamos criar os primeiros centros de responsabilidade integrada, alterando profundamente os modelos de gestão intermédia dos hospitais. No início de 2017 iremos lançar o primeiro Centro Integrado de Diagnóstico e Terapêutica — um serviço com multivalências que responderá pela plenitude de meios de diagnóstico e terapêutica e que visa o caminho progressivo de menor dependência do SNS do exterior e de uma internalização virtuosa. Vamos criar o primeiro centro no Hospital
Pulido Valente, para responder internamente à procura dos hospitais de Lisboa, e outros, e dos centros de saúde, para que não estejam dependentes do serviço externo. Há também o aumento da resolutividade dos centros de saúde, com a introdução de saúde visual, oral...
Como é que se faz quando os hospitais dizem não ter equipamentos e médicos?
Desde que o Governo tomou posse, foram feitas mais de 800 linhas de investimento. A ideia de que há falta de recursos e de investimento tem razão de ser em muitos aspetos, mas tem de ser contrabalançada com a realidade de que fecharemos o ano com mais de 3200 novos profissionais no SNS. Em relação aos equipamentos, temos feito um esforço grande e temos em pré-lançamento o maior investimento em hospitais novos e em reabilitação e construção de centros de saúde.
Falhou o objetivo de reduzir a procura às Urgências.
Não reduzimos como queríamos e temos de investir mais na requalificação dos centros de saúde. Mas é paradoxal: fechamos o ano com o maior número de médicos de família colocados de que há memória e com a redução dos utentes sem médico.
O despacho publicado sobre o recurso prioritário ao Instituto Português do Sangue e da Transplantação é uma questão de princípio? Sabe-se que não tem capacidade para responder a todas as necessidades.
O despacho é claramente uma questão de princípio, de defesa do Estado de direito. É um gesto de grande determinação de investir no instituto, inclusivamente na sua modernização, para que no ano que vem possa assegurar o seu papel de regulador ativo, participante e atenuar as dependências excessivas do Estado de agentes privados e também ajudar a regular o mercado, à semelhança do que acontece em muitos outros países da Europa. No despacho está dito que isto é também uma matéria de segurança nacional e de soberania e além dos princípios há uma fortíssima determinação de pôr cobro a esta fragilidade da relação dos privados com o Estado.
O PS apresentou uma proposta no âmbito do OE para impor um desconto aos fornecedores do SNS que depois não avançou. Acompanhou-a?
Estava a ser difícil estabelecer acordos com os fornecedores do SNS e apercebemo-nos que havia abertura para uma negociação bilateral. Estamos muito satisfeitos porque ainda este mês teremos assinado vários acordos, por exemplo com a União das Misericórdias e com a Associação de Análises Clínicas. A proposta terá contribuído para que todos tenhamos percebido que o diálogo é talvez a arma mais inteligente em qualquer negociação. Surgiu um caminho melhor e só não recua quem não é inteligente.
O reequipamento pesado do SNS vai começar por onde?
Pedimos às Administrações Regionais de Saúde que fizessem até ao final do ano o levantamento das prioridades. Uma parte dos investimentos será feita pela dotação dos hospitais, em muitos casos com fundos comunitários e parcerias com as autarquias, no caso dos centros de saúde. Será nas mais variadas áreas, mas sobretudo em tecnologia: equipamentos de bloco operatório, TAC, ressonância, ecografia. E tudo com a novidade de os contratos-programa para 2017 serem assinados em 2016 [sorriso]. Estamos contentes porque é um processo de normalidade processual e de funcionamento das instituições.
Deixe-nos contestá-lo sobre o regresso à normalidade, a dívida aumentou.
Tem de analisar-se a dívida que é gerada no próprio ano e os encargos que resultam do carry over. O Governo anterior tinha a expectativa de encerrar o ano com menos €30 milhões e encerrou com menos €372 milhões, e agora estamos, com o Ministério das Finanças, a fazer um exercício para que a execução orçamental se aproxime das metas anunciadas às instâncias internacionais.
Mas qual foi a dívida gerada pela sua governação?
Estamos quase a chegar ao fim do ano e recomendo alguma resistência na ansiedade. Posso, no entanto, adiantar que vai estar dentro do que estava previsto.
Um efeito do despacho que publicou para travar a despesa?
O despacho foi uma ‘tempestade num copo de água’, semelhante a outros de outros anos para recomendar que não deve haver assunção de encargos desnecessários. Estamos a chegar ao final do ano e o despacho que em setembro foi anunciado como a hecatombe hoje já não é notícia
Elogiou o anterior ministro mas disse que foi uma oportunidade perdida.
Estão a confundir a apreciação de políticas com a apreciação de pessoas. Conheço o dr. Paulo Macedo há muitos anos e estará na Caixa Geral de Depósitos (CGD) provavelmente muito melhor do que esteve na Saúde, porque é onde as suas competências se realizam melhor. É um homem muito sério e responsável e o país ganha muito em tê-lo neste momento difícil da CGD como presidente. Enquanto português, desejo-lhe o maior dos sucessos e a maior das felicidades e, numa linguagem mais coloquial, creio que a CGD é mais a praia dele.
Porquê?
Ele fez tudo o que pôde, fez algumas escolhas com que não estive de acordo e não estou do ponto de vista das políticas, mas imaginem o que seria eu como presidente da Galp ou das Finanças... Um desastre. Sobre as políticas, as críticas que fiz, faço e mantenho. Sobre a pessoa, é de grande qualidade, fará um excelente trabalho e servirá muito bem o país como tem feito em outras ocasiões, nomeadamente na Direção-Geral dos Impostos, onde sentimos todos os dias na nossa carteira a eficácia do seu trabalho [risos].
Quantos precários existem na Saúde?
Talvez 10% do efetivo, cerca de 13 mil pessoas, incluindo profissionais de saúde.
Qual é a previsão de entrada?
Face à dimensão de empregos que geramos, cerca de 130 mil profissionais, não somos o pior sector. Sempre que os hospitais têm necessidades permanentes e justificadas no seu quadro, a orientação que está a ser dada é que façam os contratos a termo, porque os médicos e os enfermeiros fazem falta ao sistema.
A bastonária dos enfermeiros afirmou conhecer uma unidade onde a falta de enfermeiros obrigou doentes a ficarem sem comida e medicamentos durante dois dias.
Percebo que a senhora bastonária tenha a legítima preocupação de fazer empregar mais enfermeiros, que fazem muita falta ao SNS. Quanto ao caso concreto, tem de o transmitir de imediato às entidades, porque não sabemos onde foi.