Miguel Góis: “Há pessoas que estão a fazer comédia e não estão muito interessadas na comédia mesmo”
Com a série “Gato Fedorento” perto de celebrar 20 anos de existência, Miguel Góis, o mais tímido do grupo, dá-se finalmente a conhecer. No podcast “Humor À Primeira Vista”, com Gustavo Carvalho, o guionista de “Isto é Gozar com Quem Trabalha” revela porque é que prefere trabalhar na sombra, explica a razão pela qual o grupo nunca vai desligar o botão da comédia e abre o apetite para eventuais projetos futuros
Como é que podemos saber quem é o Miguel Góis, a título individual, enquanto humorista? Pois, eu diria que, por enquanto, não vão saber. Na verdade, eu sou guionista - acho que somos os quatro. E a natureza de ser guionista é justamente essa, não nos revelarmos. Há muita gente que não percebe isto, mas o papel do guionista é fazer o ator brilhar. Neste caso o meu papel é fazer o Ricardo brilhar. Não é fazer-me brilhar, o meu trabalho é ficar justamente na sombra. É essa a natureza do trabalho do guionista.
Mas não tens ideias para projetos em que até davas a cara? Não, não, para dar a cara não. Digamos que aquilo que aconteceu, eu ter dado a cara, foi uma necessidade e um acidente. Não voltará a acontecer.
Nunca? Não. Interessa-me a representação dos outros, interessa-me a realização, interessa-me a edição, o som... tudo, menos o que eu estou a fazer em termos de representação. E nesse sentido nota-se que não tenho muito futuro.
NUNO BOTELHO
O Ricardo Araújo Pereira, no podcast “Expresso da Manhã”, com Paulo Baldaia, mencionava que Jon Stewart do passado interessava mais do que o do presente. Parece-me que está mais panfletário. Tenho essa ideia também do Stephen Colbert. Acho que o que aconteceu ali foi o fenómeno Trump. É possível que eles tenham até razão. Parece-me que ficaram muito traumatizados com o Trump ser presidente e com as suas políticas. E isso levou-os ali para um tom mais político e menos humorístico.
O Gregório Duvivier, que tem um programa do género no Brasil, o “Greg News”, dizia aqui no podcast que com um país tão tendencialmente a cair para o fascismo não conseguia desligar essa questão de ter de atacar esse poder. Isso vai ao encontro do que estás a dizer. Percebo essa reação, mas isso implica sempre de alguma forma desligar ali um botão da comédia, não é? Como estás engajado, de repente não podes fazer piadas sobre o rival do teu inimigo. Ou seja, implica sempre desligar um bocadinho ali. “Agora não podemos fazer piadas sobre o Biden, ou sobre o Lula...” A certa altura já começamos a duvidar da natureza humorística daquele programa, no sentido em que o objetivo não é fazer rir. É só sobre um dos lados.
NUNO BOTELHO
Mas exatamente por verem a questão de outros programas no estrangeiro caírem um bocado para aí, tiveram essa discussão internamente? Sim, nós falamos constantemente sobre isso, porque é a nossa profissão. Estamos sempre atentos ao que acontece. E sobretudo temos sempre a noção de qual é o nosso papel como humoristas. E isso parece-nos um risco dos humoristas, acontecer isso. Por exemplo, parece-me que aconteceu também ao Lenny Bruce. A certa altura, com aquilo que lhe acontece, começa a ficar tão perturbado com as represálias e os processos que perde a capacidade de continuar com o seu trabalho. Fica muito preso àquilo que lhe está a acontecer. E psicologicamente é uma reação natural. Agora com a distância conseguimos dizer que ele devia ter continuado pelo caminho da sua comédia, e não desviar-se e estar a reagir às reações.
Achas que isso é uma tendência? É uma tendência, não sei se é maioritária, espero que não. Mas claramente é um dos problemas que pode acontecer, sim. Para ser justo acontece em todas as profissões. Eu noto às vezes que há pessoas que estão a fazer comédia e não estão muito interessadas na comédia mesmo. É só um meio. Mas lá está, para ser justo, acontece em todas as profissões.
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