Sofia Galvão

Perigos de uma política irrelevante

26 outubro 2009 8:00

Sofia Galvão (www.expresso.pt)

26 outubro 2009 8:00

Sofia Galvão (www.expresso.pt)

Há momentos em que a espuma dos dias polariza todas as atenções. E há momentos em que esse facto acaba por ser, ele próprio, um óbvio problema.

Ora, como é patente, hoje, em Portugal, quase tudo é espuma. E, perante a espuma, surgem duas atitudes fundamentais. A atitude dos que determinam o registo e o conteúdo dos factos que ocupam o espaço público. E a atitude dos outros. No primeiro grupo, estão a maioria dos actores políticos e a maioria dos jornalistas e fazedores de opinião. No segundo grupo, está a generalidade da população anónima, espectadora tendencialmente passiva dos casos e dos ditos que os primeiros protagonizam, noticiam ou comentam.

Destas duas esferas de intervenção, nascem dois enfoques radicalmente distintos. Mas essa diferença essencial parece ser desconsiderada ou menorizada.

Os que fazem o espaço público não se fixam na distância que crescentemente os separa do universo de preocupações e interesses das pessoas comuns. Indiferentes a esse real, dialogam em circuito fechado, presos na lógica de um jogo cujos objectivos e regras só eles dominam. Os destinatários dos seus discursos e os intérpretes dos seus movimentos são eles próprios. Cada vez mais, apenas e só eles próprios.

A política e a crónica que dela é feita estão a alhear-se da dimensão concreta da vida das pessoas. Há um divórcio substantivo e profundo acerca da (ir)relevância relativa das coisas. Questões menores e circunstanciais, que na política e nos jornais que a alimentam assumem foros de temas magnos, são desprezadas pelo jovem que quer prosseguir os seus estudos, pelo empresário que quer redireccionar o seu negócio ou pelo casal que quer constituir família. A quem tem uma vida para decidir ou um futuro para construir, a maior parte do que ocupa a política e os que dela tratam não interessa absolutamente nada.

Se é certo que a política é poder, também é verdade que não é apenas poder. No entanto, entre nós, a política tem sido, quase exclusivamente, disputa e discussão do poder. A política das ideias e dos projectos de transformação da sociedade, essa, tem ficado na sombra, preterida, esquecida, adiada. De resto, quando parece assomar, logo se revela instrumental. Por cá, muito mais do que 'o quê' ou o 'para quê', importa a questão central do domínio do poder - a verdadeira excitação da política à portuguesa está no 'quem'.

Ora, uma política que se faz assim corre riscos imensos. O alheamento da população e a sua decorrente incapacidade crítica favorecem o triunfo de propostas populistas. O fechamento do círculo dos interlocutores e a entropia do seu discurso potenciam o perigo da demagogia. A fulanização das opções retira alcance material ao acto de escolher ao mesmo tempo que encerra os protagonismos numa lógica próxima das obediências nas sociedades secretas.

Não será tempo de emendar a mão?

Sofia Galvão

Texto publicado na edição do Expresso de 24 de Outubro de 2009