Sofia Galvão

No país de Saraiva

10 dezembro 2009 0:01

Sofia Galvão (www.expresso.pt)

O director do "Sol" disse que tinha sido pressionado "por parte de pessoas próximas do PM".

10 dezembro 2009 0:01

Sofia Galvão (www.expresso.pt)

Não consta que José António Saraiva tenha ensandecido. E, num certo sentido, é pena. Se estivesse doido, talvez as conclusões possíveis acerca do país em que nos tornámos não fossem tão trágicas.

Na sua qualidade de director do "Sol", disse ao "Correio da Manhã" e à "Sábado" que tinha sido pressionado "por parte de pessoas próximas do primeiro-ministro". Estas ter-lhe-iam transmitido que, se não publicasse notícias sobre o 'caso Freeport', os problemas financeiros do jornal se resolveriam. Mas - continua -, porque se negou a acatar o aviso, logo viu interrompida a linha de crédito aberta pelo BCP. BCP que - prossegue -, depois disso, terá dificultado a entrada de novos investidores e chegado a sugerir a mudança da direcção do "Sol".

Ao longo deste relato, JAS elenca factos. Mas, aqui e ali, admite saber o que haveria por trás deles. Armando Vara, afirmou, teria "o dossiê do 'Sol'". Armando Vara, continuou, estaria "em contacto com o primeiro-ministro", "eram ordens directas". E concluiu: "não temos dúvida".

Ora, tal como eu, a generalidade das pessoas - nomeadamente, a esmagadora maioria dos leitores do "CM" e da "Sábado" - não sabe nada acerca da história financeira do "Sol", das suas relações com o BCP, das concretas responsabilidades de Armando Vara neste dossiê ou, sequer, apesar do imenso ruído das últimas semanas, dos contactos entre Armando Vara e o primeiro-ministro. Como também não sabe nada acerca da intersecção de interesses e de poderes que através deles pudesse jogar-se.

Logo, não sabendo nada, o ponto não está em determinar se as declarações de JAS passaram por verdadeiras. A hipotética convicção dos leitores nunca nos diria nada de objectivo e sério sobre o que efectivamente aconteceu.

Mas, nos antípodas de tal especulação, há um dado da maior relevância que, esse sim, justificaria consequências. O director de um conhecido semanário, ele próprio jornalista credenciado, fez declarações públicas da maior gravidade, envolvendo a terceira figura do Estado numa pretensa teia de influências tendente a coarctar a liberdade de imprensa. Tudo por apelo a uma mistura de política e negócios, com alegado recurso à intervenção de um vice-presidente do maior banco privado do país.

Independentemente de ser verdade ou mentira, o facto é que foi dito. E, não havendo notícia de JAS ter perdido o juízo, as suas declarações seriam de molde a incendiar qualquer democracia madura.

Mas, por cá, não. A tónica da reacção foi o desinteresse e o silêncio. Apenas algumas vozes dispersas destoaram.

Demasiados dias depois, a ERC garante que vai averiguar. Mas o quê, afinal? O que JAS disse? Ou também tudo o que se calou depois?

Sofia Galvão 

Texto publicado na edição do Expresso de 5 de Dezembro de 2009