Paulo Querido

E se de repente lesse "o seu blog não está mais disponível"?

31 maio 2009 18:32

31 maio 2009 18:32

"Your blog on Yahoo 360 will no longer be available to you." Quando Jerry Yang anunciou, há ano e meio, que o "seu" Yahoo! ia fechar o serviço de alojamento de blogs 360º, mal se deu por isso. Vivíamos efervescentes tempos de Twitter, Facebook, Google e cloud-computing e ninguém quer falar dos "mortos" nem dos acidentes de percurso, há tanta coisa nova para noticiar.

Agora que a data de termo se aproxima - o 360º encerra definitivamente no dia 13 de Julho próximo, ou seja, dentro de menos de mês e meio - já se dá por ela. Até porque os prejudicados se fazem muito justamente ouvir e, sobretudo, as suas dúvidas dão-nos que pensar sobre os riscos que nós próprios corremos sem que deles nos apercebamos.

 



Muito simplesmente: o que vai acontecer ao produto, nalguns casos muito sério e de anos, do trabalho dessas pessoas pode acontecer a qualquer um de nós, que entregamos - sem pensar - o nosso trabalho a terceiros. O Yahoo! "permite" que as pessoas possam levar os seus textos para outros sítios dentro do universo da empresa e até para o WordPress.com. Mas não está salvaguardada a questão dos endereços. E esse é o problema. Todos os links para os arquivos se vão perder. É como apagar uma marca.

Imagine que a Coca Cola era obrigada a mudar de designação. Só isso: mudar de designação. Podia continuar o negócio, os clientes, a distribuição - tudo, mas com outro nome. É capaz de calcular os prejuízos directos da mudança de marca (refazer toda a publicidade da empresa em todo o mundo) e indirectos (todo o capital de prestígio acumulado na marca "Coca Cola")?

A maioria das pessoas não faz a menor ideia no que se está a meter quando trabalha num blog. Deixemos os casos de superfície, os bloggers intermitentes, que abrem hoje e fecham amanhã, e os que exploram os lados lúdico e experimental da ferramenta. Pensemos nos autores que querem estabelecer uma relação mais ou menos duradoura com uma rede de leitores/interlocutores. Seja em blogs colectivos seja em blogs individuais. Seja em moedas web (reputação, autoridade, prestígio, reconhecimento), seja em moedas físicas (exploração comercial directa, pela publicidade/patrocínios, ou indirecta, como alavanca para contratos, parcerias, negócios, consultorias).

Pensemos nos bloggers que trabalham, que levam a sério a produção dos seus conteúdos. (Penso num caso recente de um grupo de autores que saiu de um blog e abriu outro, e no momento em que se colocou a questão da propriedade dos arquivos.)

A riqueza da rede é o hipertexto. Os links. É a economia dos links que traça o valor de um conteúdo online. A reputação e a autoridade dependem directamente da quantidade e qualidade dos links.

Quando alojamos um blog gratuito num servidor, a palavra "gratuito" significa meramente que não há troca directa de dinheiro. Porque na realidade há uma troca: o servidor fornece-nos a tecnologia e os recursos e nós entramos com o nosso trabalho para o enriquecimento reticular dele. Cada um de nós contribui com uma ínfima porção - tão ínfima que conscientemente a colocamos fora do mensurável; mas no servidor as dezenas ou centenas de milhões de porções somam-se e o resultado é um valor mensurável, opiparamente mensurável diria mesmo.

A esmagadora maioria das pessoas aceita o trade off de bom grado, incapaz de estabelecer um valor para aquilo que, no início, nem se atreve a pensar como "trabalho": para isso contribui pertencer à "cultura da partilha", um ambiente eufórico onde " a informação quer ser livre", o "reino do gratuito" - keywords apensas entusiasticamente ao movimento de liberdade e empowerment colectivo, grupal e individual que fica na História como a Internet 2.0, ou a web social.

Os "não-trabalhadores" do 360º do Yahoo! estão na frente da fila de uma vaga de futuros "não-desempregados", as "não-vítimas" da "não-falência" dos serviços "não-gratuitos". Bem podem pegar nos seus conteúdos e ir recomeçar tudo do início noutro lado; será até mais fácil, pois que levam um arquivo, não partirão do zero absoluto.

Mas as suas marcas, links, reputações, comunidades, reacções - tudo isso está perdido a partir o momento em que a empresa alojadora acciona as cláusulas do contrato que lhe permitem fechar o serviço quando e como entender.

"Comercial" e "permanente" não rimam forçosamente. Ninguém imagina que a Google feche o Blogspot amanhã, mas isso não impede a empresa de o fazer, se decidir que é essa a sua melhor opção. E na hipótese, absurda, de tal acontecer, muito provavelmente iríamos escutar os seus lacinantes gritos, caro leitor, enquanto os bloggers que avaliaram o risco do trade-off e preferiram investir num domínio póprio estariam salvaguardados de tal intempérie que varreria a Internet como um vaga destruidora.

(Se, por esta altura, o leitor reparou na segunda utilização da palavra "vaga" neste artigo e fez alguma associação de ideias com o recente noticiário tecnológico, pois saiba que foi minha intenção provocar-lhe entrelinhas essa mesma associação.)

Existe um perigo em entregar o nosso trabalho à "nuvem". É bom que comecemos a avaliar os riscos da produção de conteúdos online. Quantas vezes aquilo que começa como um despretencioso blog vai crescendo até se tornar num caso sério, e pensamos em todas as horas ali metidas, e em todo o valor gerado com a comunidade, e pensamos nos laços (e também nos links).

O desaparecimento do 360º é o desaparecimento de 10,8 milhões de páginas e 3 milhões de links que subitamente deixarão de levar a algum lado. E estamos a falar e um serviço com a morte decretada há 18 meses.

Se o Blogspot fizesse o mesmo, 16 milhões de blogs fechavam. 420 milhões de páginas sumiam-se dos arquivos e dos motores de busca. 70 milhões de links seriam inutilizados. Pense em quantas das suas horas de dedicação eram evaporadas. Pense nisso na próxima vez que abrir um blog ou plantar a semente da sua marca num terreno sobre o qual não tem nem jurisdição nem controlo.

 ACTUALIZAÇÃO: Este artigo da Economist, Unlocking the cloud, fala do mesmo problema, mas na perspectiva das empresas que aderem às vantagens da "nuvem", Cito: "But customers risk losing control once again, in particular over their data, as they migrate into the cloud. Moving from one service provider to another could be even more difficult than switching between software packages in the old days."

Como também eu tenho recorrido a serviços na "nuvem", nomeadamente a Amazon EC2, hei-de escrever um artigo sobre essa experiência.

Paulo Querido