Luís Fernando Veríssimo

Enganos

10 março 2008 8:00

10 março 2008 8:00

Bill veio passar uma temporada no Brasil, a trabalho, e aconteceu: se apaixonou por uma mulata. A Rosineide. Belíssima. Traços finos. De se levar pra casa. E foi o que o Bill fez: casou-se com a Rosineide e a levou para conhecer seus pais, em Cincinnati.

O Bill sabia pouco sobre Rosineide. Depois de ser apresentado

a ela, tinha ouvido alguém comentar:

- Ela é do balacobaco.

Estranhou. Ela não era carioca?

- Quíssima! - disse a Rosineide, já no avião a caminho de Cincinnati.

- Mas me disseram que você era de Balacobaco.

Rosineide hesitou um pouco antes de responder:

- Originalmente de Balacobaco, mas fui criancinha para o Rio.

E, a pedido de Bill, pôs-se a descrever Balacobaco. Nunca mais voltara à sua terra natal. Sabia que tinha parentes lá, mas perdera o contacto com eles. Onde ficava Balacobaco? Na Amazónia. Para ajudar Bill a localizar sua cidadezinha, Rosineide foi mais específica.

- Faz parte da Grande Cafundó.

Bill apresentou Rosineide a seus pais, em Cincinnati.

- She's from Rio, but originally from Balacobaco. In the Amazon!

Os pais do Bill acharam interessante, fizeram muitas perguntas sobre a Amazónia (desmatamento, cobras gigantes) e, em geral, acolheram bem a Rosineide. Que está até hoje morando com o Bill em Cincinnati e prometeu que, na primeira vez que os dois vierem ao Brasil, o levará para conhecer Balacobaco. Ainda mais que agora tem aeroporto em Cucuia, que fica perto de Cafundó. Só a mãe do Bill, que vota no partido republicano, às vezes fica olhando para a nora com um ar de dúvida. Ela também desconfia que não se sabe tudo sobre o Barack Obama.

O MISTÉRIO

"Me enganei", era a única explicação que o homem dava para o seu estado lamentável. Vivia bêbado, triste, maltrapilho. O que tinha lhe acontecido para ficar daquele jeito? Um engano, apenas um engano. E mais não dizia. As pessoas especulavam. Inventavam hipóteses para a sua desgraça. Ele teria escolhido a mulher errada? A profissão errada? Era um cirurgião que um dia cortara o que não era para cortar? Um engenheiro que se enganara no cálculo e o edifício ruíra? Um piloto que acelerara quando era para desacelerar, ou vice-versa? Alguém que declarara o que não devia, comprara o que não podia, aderira ao que perdia? Ele não dizia, e o mistério persistia. Até que, de tanto insistirem, o homem revelou qual tinha sido o engano que o arruinara.

- Um dia, confundi "ónus" com "ânus".

E calou-se outra vez. O que, na verdade, só aumentou o mistério.

NO AR

- Alô.

- Frota?

- Não, não.

- Não é o Frota?

- Não, é engano.

- Elano?

- Não. En-ga-no.

- Ó Elano, me chama aí o Frota.

- Aqui não tem nenhum Frota.

- Tinha um recado no meu celular do Frota, pra ligar pra ele.

- Mas esse não é o celular do Frota.

- Claro que não, este é o meu. Esse aí é que é do Frota.

- Não! Este é o meu!

- De quem?

- Do Elano. Que Elano! Eu tou ficando maluco... Engano. En-ga-no. Entendeu?

- Ó Tadeu, me chama aí o Frota.

AUTORIZADOS

(Da série "Poesia numa hora destas?!")

Vou pôr uma placa no coração

dizendo "Atenção:

só deve ser manejado

por pessoal autorizado.

Bons cardiologistas

ou mulheres com muito,

mas muito, cuidado.

Luís Fernando Veríssimo