2 maio 2007 15:49
2 maio 2007 15:49
Giselda confidenciou a Margô, sua melhor amiga, que nada a abalara tanto nos últimos tempos quanto a notícia de que as cuecas samba-canção voltavam a ser moda.
Entende? disse Giselda.
Perfeitamente disse Margô, sem entender muito bem.
O Júlio usa cuecas samba-canção disse Giselda.
Eu sei disse Margô.
E isso me dava uma certa segurança. Sabe como é?
Claro.
Era um fim de tarde. As duas tinham tirado os sapatos e estavam com os pés sobre a mesa de centro, na sala da Giselda. Duas jovens senhoras.
Bobagem, eu sei continuou Giselda. Mas entende?
Entendo. Você tem toda a razão.
As cuecas do Júlio eram, assim, como um símbolo. De estabilidade. De bom senso. Até de uma certa resignação diante da vida. Mas no bom sentido.
Claro.
Imagina se um dia ele me aparecesse de sunga. Colorida. Sinal de quê?
Outra.
Isso. Ou outras.
Certo.
Mas não. Ele insistia nas suas cuecas samba-canção. Até tinha horror a novas. Queria sempre as mesmas. Rasgadas. Não importava. Você poderia desconfiar de alguma coisa num homem assim? Vou dizer uma coisa. Cueca é carácter.
Quem vê cueca, vê coração.
Eu insistia para ele trocar de cuecas. Fazia pouco das suas cuecas antigas. Mas no fundo, no fundo, gostava que ele fosse assim. E agora isso...
Pois é.
As cuecas samba-canção na moda de novo.
Anrã.
Ele não vai mais ter vergonha de tirar as calças na frente de outra.
Ou outras.
Ou outras. Poderá até dizer que não tem culpa. Que não foi ele que mudou, foi a moda. Que continua o mesmo homem sério e conservador. Que não foi ele que resolveu sair para a vida, a vida é que veio buscá-lo. Vou ter de ficar de olho. Ou estou exagerando?
Não, não.
Depois que Margô saiu, Giselda foi tratar do jantar. Só horas mais tarde, olhando a TV com o Júlio roncando ao seu lado no sofá, se deu conta. Telefonou para a Margô.
Margô?
Oi.
Hoje à tarde, quando eu disse que o Júlio sempre usou cuecas samba-canção...
Sim?
O que você quis dizer com "eu sei"?
Fiu-Fiu
E a Neide contou no grupo que seu marido Omar sempre assoviava quando a via trocando de roupa. Aquele assovio que antigamente era acompanhado de gestos descrevendo as curvas de uma mulher formosa, "tipo violão". Aquele assovio que nunca mais se ouviu.
As outras do grupo se entreolharam.
Espera aí, Neide disse a Carmem. O seu marido, sempre que vê você sem roupa, assovia?
Assovia.
Assovia mesmo? Fiu-fiu?
Fiu-fiu, sim senhora. Ele pode estar na cama até meio dormindo, mas quando eu tiro a roupa pra botar a camisola faz fiu-fiu. Quando me vê de maiô, faz fiu-fiu.
E vocês estão casados há quanto tempo?
Vinte anos agora em Abril.
Vinte anos de fiu-fiu! A Neide fez cara de "e eu tenho que aguentar", mas estava claro que gostava. Gostava dos assovios do marido. E estava gostando de humilhar as que não tinham um marido como o Omar.
Mais tarde, longe dela, as outras comentaram: "Pobre da Neide." Era óbvio que não percebera o momento em que o assovio do marido em homenagem às suas formas passara da apreciação à ironia.
Fosse como fosse, ali estava outro caso em que era preciso ficar de olho.