Jaime Nogueira Pinto

Petraeus - a volta por cima?

15 setembro 2007 0:01

O antídoto para o caos iraquiano pode surgir da nova estratégia delineada pelo general David Petraeus, que esta semana anunciou um plano de retirada parcial. Conseguirá este reputado intelectual corrigir, no terreno, os erros de Bush?

15 setembro 2007 0:01

Na e da 'crise' do império surge um chefe militar salvador. É o herói imperial - Clyde, Dupleix, Mouzinho - um soldado exemplar que, com uma campanha ou um feito simbólico, pára a decadência. Ou um chefe de guerra que toma o poder no centro - César e Franco. Ou um equívoco, Spínola. E há um personagem assim na SCF - o Bell Riose, da saga de Asimov - 'Fundação e Império'.

Os Estados Unidos, apesar da tradição republicana, não ficaram imunes. Foram fundados por um soldado, Washington, continuados e acrescentados por outros, como Andrew Jackson; tiveram MacArthur, que fez tremer Washington. Já Eisenhower e Marshall eram outra loiça. Certinhos.

O general David Petraeus, comandante-em-chefe americano no Iraque, tem carisma, inteligência, bravura, cultura. Distinguiu-se em campanha em 2003. É também considerado o protótipo do guerreiro 'intelectual'.

Vem a calhar. Está agora perante o Congresso, a tentar evitar o caos que uma retirada incondicional, provocará. A sua missão é (quase) impossível. A invasão do Iraque e a ideia peregrina de transformar a ditadura socialista, laica e republicana, de Saddam Hussein, numa democracia exemplar vai ficar como uma das maiores enormidades da História. Ao trocar o realismo de George H. Bush e o idealismo sólido (e também realista) de Ronald Reagan, pelas miragens interessadas dos neoconservadores - George W. Bush não só destruiu a coligação de direita feita por Reagan nos anos 80, como atirou os EUA para um dilema trágico.

O Iraque não é um Estado nacional. É uma colagem contemporânea, inventada pelo sistema imperial inglês, a contar com a força dos líderes. Na democracia parte-se, como se partiram a Jugoslávia e os Balcãs e só sobreviveu a Rússia porque Putin, com a larga experiência da 'casa' onde trabalhou, soube equilibrá-la com nacionalismo e autoridade.

Petraeus é, como Massu em Argel, um homem da 23ª hora; pedem-lhe o milagre de colar os cacos da fragmentação da sociedade iraquiana. Note-se que, onde se puseram de parte as regras da correcção política e os comandantes americanos trabalharam directamente com os "sheiks" e os chefes dos Hagiras locais e americanos e iraquianos combatem a Al-Qaeda. Até em Bagdade, se conseguiram sucessos, e conter os números do terrorismo. Com os reforços chegados, Petraeus abrandou o ritmo do relógio fatal, mas não o parou.

Mas será possível, sob a pressão do Congresso e dos "media", com o saco de gatos da 'democracia' iraquiana, com um Exército iraquiano licenciado por alta recreação dos zelotas de Washington, e a fazer de zero, com polícias e milícias sectárias, com os terroristas da Al-Qaeda à solta, cumprir a missão?

O cepticismo está tão de moda, tornou-se tão chique e correcto que a mim, que sou um pessimista antropológico, já me irrita. Petraeus tem boa cara, os americanos são 'fixes', um desastre deles no Iraque é mau para os 'bons' da fita. Vamos, "malgré tout", torcer para dar a volta por cima!

Jaime Nogueira Pinto