9 fevereiro 2011 0:00
Clássico. Noventa minutos, uma missão. O pensamento mais forte como base para ganhar e um jogador em forma de fábula...
9 fevereiro 2011 0:00
Um jogo de futebol esconde, em cada 90 minutos, uma missão para o jogador. Um plano de ação definido pelo treinador no qual, fugindo a uma 'batalha de trincheiras', emerge um pensamento estratégico. Nesse 'plano de jogo' global, os jogadores assumem missões particulares diferentes. Villas-Boas e Jesus pensaram o terceiro FC Porto-Benfica da época a partir de pontos diferentes. Invertera-se o estado emocional da Supertaça da pré-época e ficara no subconsciente o terramoto azul e branco do campeonato. Duas derrotas que conduziram Jesus a pensar o jogo por outros caminhos. Partindo de uma 'contraestratégia' (isto é, travar pontos fortes da construção do ataque portista), o seu plano tinha depois um desenvolvimento ofensivo que começava no momento de... recuperar a bola.
Ambos os golos surgem de dois exercícios de recuperação, quando a bola parecia domada pelo jogadores portistas (Maicon e Fernando). No fim, Jesus destacou um dos seus jogadores, elegendo-o como o "patinho feio da equipa". Aquele de quem os adeptos mais desconfiavam acabara de fazer um jogo perfeito no reino do Dragão. César Peixoto. Mas, em rigor, o 'patinho feio' até é uma história de sucesso.
A missão de Peixoto esteve na base da mudança de sistema tático habitual do Benfica. Em vez do 4x1x3x2 preferencial, surgiu em 4x4x2. A diferença posicional mais relevante estava no espaço à frente da defesa. Em vez de só um elemento, Javi Garcia, surgiram dois. Desviado para uma posição central (em vez do seu flanco esquerdo), Peixoto colocou-se perto de Javi com uma missão específica: marcar Beluschi, o médio-criativo do FC Porto. Não era uma marcação individual, daquelas de o perseguir por todo o lado. Era antes uma marcação no espaço. Ou seja, sempre que Beluschi surgisse no território de criação na meia-direita, Peixoto tinha de estar lá primeiro em antecipação. E esteve, quase sempre. Vendo-o sem bola, com a ação aprisionada, Villas-Boas substitui-o a meio da segunda parte para meter um tipo diferente de jogador, buscando ganhar o jogo com outra forma de expressão. Guarin, mestre da pressão e das bolas divididas.
Essa tentativa de subir a dimensão física do jogo chocou, no entanto, com o outro lado do plano de Jesus: a pressão alta. Uma atitude sem bola que transformou a equipa. Nesse sentido, os melhores defesas do Benfica foram os... avançados. Ou seja, sendo o FC Porto uma equipa essencialmente de posse, que gosta de dar 12/14 passes desde trás até chegar à baliza adversária, o onze encarnado caía logo em cima desse processo de construção (dos jogadores portistas mais recuados) desde o seu início, quando os centrais ou o trinco azul e branco (veja-se o erro de Fernando no 0-2) queriam sair a jogar. Estes dois fatores, a missão do 'patinho feio' e a alta intensidade de recuperação de bola inclinaram o jogo para o Benfica. Admirado, Villas-Boas nunca conseguiu descobrir como libertar a equipa desse colete de forças tático.
Um plano que teve um súbito impacto emocional no relvado. Em poucos minutos, as dúvidas entraram na cabeça e no corpo dos jogadores portistas. A missão 'encarnada' comeu sempre os melhores espaços e as bolas mais importantes no jogo. O Benfica redimensionou o seu ego. O FC Porto percebeu que, além do onze titular (sem Pereira e Falcão), a realidade é muito diferente. Impassível pelo meio de todos os mind games táticos, um 'patinho feio' foi correndo durante 90 minutos atrás da bola, até, no final, mesmo sem atingir a dimensão de 'cisne futebolístico', provar que, no futebol, como na vida, triunfa o pensamento mais forte.
Onde está Walter?
É a pergunta mais difícil para Villas-Boas. Sem Falcão, lesionado, o FC Porto surge sem um ponta-de-lança verdadeiro no seu 11. Walter ficou de fora e Hulk jogou na pele de nº9, um lugar que confunde o seu jogo.
Tudo nasce, claramente, das dúvidas que Villas-Boas tem de que Walter lhe poderá dar respostas positivas no jogo. Uma opção legítima mas que choca com a realidade: não existe outra opção. Se neste cenário o treinador prefere mudar todo o ataque (tirando Hulk do centro, retira o melhor jogador do seu espaço natural de explosão) e adultera todos os processos ofensivos, a equipa, claro, ressente-se disso.
O abismo entre titulares e suplentes é uma 'nuvem cinzenta' que persegue o FC Porto desde o início de época. Os oito pontos de vantagem no campeonato fazem a equipa 'dormir mais descansada' antes de cada jogo, mas têm o risco de lhe turvar a visão mais rigorosa do seu plantel para lá dos 11 jogadores. Decidiu fechar os olhos ao mercado de inverno e, agora, acordou noutra realidade.
General Luisão
Saiu David Luiz, ressurgiu Sidnei, jogou bem, mas, como general defensivo, quem se ergueu à frente da baliza foi o gigante Luisão. Beneficiou de jogar no seu espaço preferencial. Ou seja, a defesa do Benfica (como falava nesta página a semana passada) não arriscou, sem a velocidade de David Luiz, em jogar tão subida no terreno. Recuou alguns metros e colocou-se no tal 'bloco baixo' (como Jesus referiu no final). Nesse prisma, Luisão afasta a bola como um soldado afasta uma granada para longe.
Com este reciclado poder defensivo, toda a equipa até parece mais alta. Mesmo a corte dos 'baixinhos' dos meio-campo (Gaitan. Salvio, Aimar, Saviola...) parecem, de repente, maiores. E, vendo bem, até ficam mesmo maiores. Na confiança e na atitude em atacar cada bola.
Sintoma Liedson
O Sporting continua o seu acelerado processo de entristecimento verde. Depois das derrotas, de ficar cada vez mais longe do primeiro lugar, da demissão do presidente, das exibições errantes, e até de uma derrota com uma equipa da II Liga, o anúncio da venda do seu ponta de lança: Liedson, um dos maiores goleadores de sempre da história do Sporting, deixa Alvalade.
A depressão em que caiu todo o 'mundo leonino' já ultrapassa a mera análise futebolística (financeira ou desportiva). A lógica de todas as suas decisões cruza fatores que fogem ao jogo. Confessar que não existia outra hipótese senão realizar a transferência, porque o jogador queria sair, revela que o clube (a sua estrutura) perdeu todo o poder perante os seus jogadores mais fortes. Mesmo numa situação destas (com o jogador a bater todas os dias à porta do presidente ou do diretor-desportivo a dizer que quer ir embora) o clube tem de 'mascarar' a situação, buscando outro tipo de saída, negocial, desportiva e de imagem.
É então altura de ativar a 'base de dados' do seu departamento de prospeção e, com tempo, vendo que esta situação era previsível, encontrar outro nome para surgir logo a seguir e preparar o negócio Liedson como se o timing fosse conduzido pelo clube. Sucedeu o contrário. Liedson sai quando quer, o Sporting não consegue contratar outro nº 9 (Paulo Sérgio reclamara um 'pinheiro' e acabou por perder até o seu 'bonsai') e, no final, tudo parece continuar naturalmente calmo no 'mundo verde'.
A depressão leonina é, porém, uma questão mais complexa, mas os seus sintomas são cada vez mais fortes. Reinventar o clube passa, mais do que mexer em cúpulas, por mexer em toda a massa crítica que o rodeia.
No futebol, como na vida selvagem, os leões também dormem, claro, mas nunca por tanto tempo e muito menos por estarem em crise existencial tão profunda. Neste contexto, o mais perturbante é ver que a saída de Liedson acaba por ser... natural.
Texto publicado na edição do Expresso de 15 de janeiro de 2011
