21 julho 2008 8:00
21 julho 2008 8:00
Se tivesse havido portugueses brancos envolvidos nos tiroteios da Quinta da Fonte, facilmente se identificavam os culpados: eram eles, com certeza. Quem mais poderia ser, se não os brancos racistas? Assim, como os protagonistas do conflito são ciganos e africanos, a esquerda bem-pensante e os especialistas em sociologia barata ficam um pouco baralhados. Mas lá vão encontrando maneira de desresponsabilizar o mais possível, tanto os bandos de africanos que, pelos vistos, assaltam de pistola em punho e roubam a seu bel-prazer, como os bandos de ciganos que, ao menor pretexto, puxam da faca ou da caçadeira. Os restantes dois mil e tal moradores, que trabalham para ganhar o pão, vivem reféns de não mais que duas ou três dezenas de rufias, segundo a governadora civil de Lisboa, e são esses que infernizam a vida de todos.
Perante este quadro, é extraordinária a ginástica mental que por aí vai com o propósito de encontrar os verdadeiros responsáveis pelo conflito que deu origem ao tiroteio - cuja causa próxima, por sinal, nem autoridades nem jornalistas souberam explicar com precisão. Os verdadeiros responsáveis, segundo as opiniões que mais se fazem ouvir, não são os indivíduos que se põem aos tiros uns contra os outros, espalhando o medo e a insegurança nesta como noutras zonas da periferia das grandes cidades. Não. Os culpados são as câmaras municipais porque não fazem os bairros a preceito, ou é a sociedade que não compreende as especificidades da cultura cigana, ou é o Estado que não cuida dos problemas psicológicos dos filhos dos imigrantes africanos.
Por acaso, os pais desses adolescentes sofreram e sofrem uma vida bem mais dura do que a que lhes coube em sorte e não tiveram problemas psicológicos de integração que os levassem para à marginalidade. O mesmo sucedeu com os emigrantes portugueses, em países tão diferentes como a França ou a Venezuela: trabalharam e viveram em condições degradantes, mas não há notícia de que os seus filhos se tenham tornado problemáticos para a sociedade.
A lógica desculpabilizadora e paternalista que tem feito escola entre nós é perniciosa pelos efeitos inibidores que acaba por ternos governos e nas forças de segurança. O que se exige destes é que garantam a segurança dos cidadãos e façam cumprir a lei onde e por quem quer que ela seja infringida. E que não usem de especial dureza, nem de especial complacência porque os transgressores são brancos, pretos, ciganos ou de qualquer outra etnia. Na Quinta da Fonte ou em qualquer outro bairro do país, o que se reclama do Estado é que saiba afirmar a sua autoridade e garantir a ordem pública. Isto independentemente de todos sabermos que há na cintura de Lisboa uma situação social explosiva, ou que o racismo não é só a preto e branco. Para o combater não basta pormo-nos todos a fingir que ele não existe.
Ter razão não basta
Épossível que António Marinho Pinto se tenha deslumbrado com o poder mediático que o cargo de bastonário da Ordem dos Advogados lhe oferece. E não se dê conta de duas ou três coisas que, muito provavelmente, vão derrotá-lo de forma inglória. Isto, se tomarmos por adquirido que Marinho quer, acima de tudo, ser um bom bastonário e contribuir para melhorar a Justiça. Pode suceder que ele tenha - e por vezes parece que tem - outra ambição: a de pretender apenas usar a plataforma que agora ocupa para entrar na vida política que tanto tem criticado.
Seja como for, o bastonário não se dá conta do seguinte: o uso imoderado - e às vezes imponderado - da "palavra pública", expressão que o Presidente Cavaco Silva utilizou recentemente a respeito de si próprio, volta-se quase sempre contra quem se deixa tentar por esse método, mesmo quando possa ter razão. Por outro lado, a denúncia vaga e imprecisa pode dar bons títulos de jornal e aberturas de telejornais; está a contribuir, sem dúvida, para popularizar o seu autor junto de audiências muito mais vastas do que aquelas a que, em princípio, o bastonário de uma ordem profissional se dirige; mas não chega para credibilizar o acusador nem as suas acusações.
Qualquer um pode dar uma opinião sobre o facto, realmente absurdo e sem sentido, de os titulares do órgão de soberania que é o poder judicial terem um sindicato como o dos professores ou o dos metalúrgicos; outra coisa é acusar "alguns juízes" de atitudes e comportamentos pidescos. Se, efectivamente, visa apenas alguns, como sublinha, e não quer atingir toda a classe, deve identificá-los para que a suspeita e o labéu não manchem a reputação de todos.
No caso da sua própria Ordem, o bastonário denuncia "o vergonhoso negócio da formação". Faz muito bem, se as coisas se passam como diz. Só que Marinho Pinto já não é o jornalista que escreve uma notícia ou que a comenta; é o bastonário, com poderes próprios e o dever de tomar decisões para acabar com a "vergonha". Quanto mais não seja levando o caso aos tribunais.
Dito isto, é preciso acrescentar o seguinte: toda a gente sabe e percebe que o bastonário tem razão no essencial do que afirma. Sobre as magistraturas e o seu modo de funcionamento, sobre os 'tubarões' e os 'descamisados' da advocacia, sobre a Justiça e os motivos da falta de confiança que ela lamentavelmente inspira à generalidade dos cidadãos. Se ele não tivesse razão, os visados reagiriam frontalmente às críticas que apresenta e não se refugiariam no silêncio com o pretexto de não lhe darem importância.