27 junho 2007 16:58
27 junho 2007 16:58
PARA concordar é fácil arranjar indivíduos. Aliás, o que mais se vê é pessoas a concordar. São uma praga. Concordam por tudo e por nada, por dá aquela palha, por conveniência, por distracção, por preguiça, para fazer número e engrossar as falanges de normalidade. Aliás, não há nada pior do que as falanges da normalidade.
Dizer que sim com a cabeça, onde é que já se viu gesto mais obsceno? Dizer "sim" pela boca fora já é um risco de consequências sempre improváveis, agora fazê-lo por expressão do corpo, abandonando a capacidade da fala que nos distingue em nome da representação do consentimento que nos amarfanha, onde é que já se viu uma coisa destas?
Há uma grande diferença entre dizer que sim e em dizer que não. É certo que para os românticos franceses dizer que não era o mesmo que dizer que sim e, no fundo, tinham razão porque eram franceses e o seu romantismo não era mais do que a apologia do descaramento total, enroupado na ilusão do sofrimento. Do sofrimento dos outros, claro está.
Discordar dá trabalho. Há duas maneiras de discordar: usar a palavra "não" ou dizer não com a cabeça, gesto mais dignificante do que dizer sim com a cabeça. Quando alguém diz que sim com a cabeça acabou-se a discussão e não há mais pensamento. Instala-se o vazio. Agora, sempre que um indivíduo diz que não com a cabeça inicia-se um corte na linearidade e, o mais certo, é acabar em revolução. Já tem acontecido. Discordar exige toda uma arte, concordar não exige nada. Os preguiçosos dizem a tudo que sim porque não se querem dar ao trabalho da altercação e, mais grave ainda, têm medo de perder na discussão das ideias. Os que não têm medo até inventam discórdias irrazoáveis só pelo prazer da refrega e da ginástica retórica. O que cansa numa discussão não é a vontade de a vencer. É a dúvida sobre se não estaríamos todos melhor na praia, construindo castelos à beira-mar até que a maré encha e destrua placidamente o que fabricámos. Todos os argumentos são de areia. Ou será que discordam?
Em princípio, concordo
NÃO é só da discussão que nasce a luz: o esforço de querer concordar com alguém aproxima-nos do ponto de vista dele.
Discordar tem graça quando se é muito novo porque ajuda a construir uma identidade onde, a bem ver, não sobram características distintivas. A nossa cultura favorece a discordância automática, associando-a à afirmação da personalidade. Ser contrário é ser corajoso e livre e desobediente. E assim se fomentam milhões de pequenas rebeliões quadradas, escusadas e previsíveis. A maioria destas oposições é puramente antitética e, como tal, só se distingue da outra posição por inverter o sinal. Vem dar ao mesmo, à maneira de um espelho. O que acrescenta quem ouve propor, por exemplo, que se deve proteger os melros e responde que melhor seria que fossem todos exterminados? É pena que estas contraposições simplórias e parasíticas passem como provas de "diferença". Mas que diferença fazem? Nenhuma. Tanto fazem é uma das consequências nada "paradoxais" da massificação mental dos nossos dias. Cada ser humano deseja uma opinião diferente acerca de todas as coisas: haverá maior condenação à uniformidade? É como viver num país em que cada habitante, todo contentinho, insiste em usar um chapéu diferente dos compatriotas. Mas, mal chega um estrangeiro, classifica-o para todo o sempre como o estranho país em que toda a gente anda de chapéu. Este ambiente de pseudodistinções é tão concentrado que já se desconfia de quem concorda connosco: "Porque é que este está a querer dar-me graxa? Porque é que não diz o que realmente pensa? Será para me calar? Julga que me engana ou quê?" Assim sendo, só a discordância conforta, assegurando o culto superficial da sinceridade. A concordância é tida como uma estratégia um fingimento para melhor poder adormecer a vítima e zurzir-lhe depois.
Na verdade, as pessoas evitam concordar porque dá mais trabalho e obriga a discutir mais seriamente. Afinal, concordar é tão difícil e complexo como formar uma opinião. E quem sabe quem tem razão, sendo sabido que a razão é coisa sobre a qual é quase tão difícil concordar? E quanto a tê-la, nem pensar.