4 fevereiro 2010 0:00
4 fevereiro 2010 0:00
Abro o jornal e o senhor Wolfgang Munchäu, que tem uma cara de confiança, abre o seu parágrafo a dizer que a gestão da economia grega tem paralelos inquietantes com o fim da Guerra do Peloponeso. A Guerra do Peloponeso, explica, acabou em 404 a.C., quando os vitoriosos espartanos impuseram a Atenas a regra dos Trinta Tiranos, que privaram os atenienses da maioria dos direitos civis e democráticos. A tirania acabou em revolta no ano seguinte, quando a democracia foi restaurada. Algumas décadas mais tarde, as orgulhosas cidades de Esparta e Atenas tinham desaparecido do mapa geopolítico. O sr. Munchäu, e eu concordo com ele, acha que algo semelhante pode acontecer na Zona Euro se uma austeridade for imposta, do exterior, como moeda de troca para o resgate da Grécia da bancarrota.
A história tem lições que ignoramos à nossa custa. Em Portugal, com séculos de uma nacionalidade estável, e orgulhosa, as lições da história nunca são obedecidas e são gloriosamente ignoradas. A passagem da Grécia, com os seus vastos problemas de contas deficitárias, para Portugal, com os seus vastos problemas de contas deficitárias, não é descabida. Neste artigo do "Financial Times", o sr. Munchäu aponta quatro cenários prováveis.
A Grécia vai à falência e a União Europeia corre em socorro, com condições rigorosas (a austeridade). Bruxelas enviaria os seus Trinta Tiranos para Atenas, e Atenas perderia soberania. Os "gnomos de Bruxelas", cito, tomariam conta do Ministério das Finanças e a população indígena veria isto como um golpe e um atentado à democracia. O sr. Munchäu diz mesmo que os gregos começam a tratar mal os estrangeiros que escrevem sobre as suas contas e que estão solidários com as classes políticas apesar de estas terem falhado aparatosamente. Um cenário destes poderia acontecer em Portugal, que nunca se interessou muito pelos "gnomos de Bruxelas" porque os "gnomos de Bruxelas" foram vistos como uma cornucópia de flores e frutos que colhemos com generosidade, como nos tempos de África e do Brasil.
O segundo cenário é a falência sem resgate. Neste caso, assegura o sr. Munchäu, a Europa recusaria ajuda financeira por causa do falhanço do país em observar as regras europeias. E, diz ele, a crise alastraria a Portugal. Portugal encontra-se numa situação semelhante à grega, repete o sr. Munchäu. E acrescenta que os mercados financeiros, se isto acontecesse, perguntar-se-iam se a própria Espanha poderá alguma vez retomar o caminho da sustentabilidade.
O cenário três é o que toda a gente implora: a UE conseguiria, com persuasão gentil, que o Governo grego fizesse tudo o que é necessário fazer. Cortes severos nas prestações sociais e de saúde, aumento dos impostos, cortes na despesa pública, congelamento de salários da função pública, e reformas laborais que autorizem os salários reais no sector privado a cair, para melhorar a competitividade. É uma lista cruel, diz o sr. Munchäu, e a solução para salvar a Grécia da bancarrota.
O último cenário é o mais assustador: fingir que se resolve o problema, argumentando aqui e ali para enganar as pessoas sem se chegar a resolver o problema. A União Europeia tem uma larga experiência nesta área (e Portugal também). O Governo grego produzia um pacote de reformas estruturais que não passariam de promessas, com títulos enganadores. A bancarrota, e a verdade, são adiadas, por enquanto. E, no futuro, o problema regressa. E será resolvido por uma nova geração de políticos, que enfrentarão uma completa disparidade entre a situação real das contas e a situação ficcionada, enfrentando a ira dos credores.
Temo que este quarto cenário seja o escolhido. Os gregos não apreciam, com a serenidade com que os portugueses as sofrem, medidas de austeridade draconianas. O caso grego é muito semelhante ao nosso, e partilhámos anos a chamada cauda da Europa. Quando houve dinheiro, os gregos espatifaram-no em estádios e campeonatos, Olímpicos e equipamentos dispendiosos, tal como nós. Estão falidos. Nós estamos quase falidos.
Não creio que seja bom para um país ser tratado como uma criança mal comportada, como um "bom aluno" ou um "mau aluno". Esta linguagem, inventada em Bruxelas, é ridícula. Menos ridícula é a realidade. Portugal terá, nos próximos anos, de fazer o que não foi feito até aqui, e fazê-lo numa altura de crise e de destituição e desemprego. O Partido Socialista tem a responsabilidade histórica, como sempre teve, de pedir aos portugueses sangue, suor e lágrimas. Este Orçamento pode ser bom para a paz entre os partidos, mas terá de ser mau para a paz social, necessariamente. Terá de ter cortes. E uma política fiscal que não penalize os do costume. E um combate sério ao desperdício e à corrupção. O exemplo grego pesa-nos. Lá como cá.
Texto publicado na edição da Única de 30 de Janeiro de 2010