Nicolau Santos

Os furacões violentos também passam

13 outubro 2008 8:00

13 outubro 2008 8:00

O que se assistiu em mais uma semana de terror na frente económica foi a acontecimentos impensáveis, com a Inglaterra a "nacionalizar" os oito maiores bancos; os bancos centrais da Europa, Estados Unidos, Reino Unido, Suíça, Canadá e Suécia a descerem concertadamente as taxas de juro em meio ponto, sem que tal travasse o pânico nos mercados; a Islândia, considerada pelas Nações Unidas o país mais desenvolvido do mundo em 2007, a entrar em bancarrota com o Governo a ter de nacionalizar os três bancos domésticos; Bruxelas a prever que Estados Unidos e Europa vão entrar em recessão simultânea; e, apesar de todas as declarações apaziguadoras de dirigentes políticos e banqueiros centrais, as bolsas continuaram a cair fortemente em todo o mundo, em particular ontem, dia que ficará certamente conhecido como uma das mais negras sexta-feiras bolsistas de sempre.

Como é evidente para o comum dos mortais, o que neste momento falta em todo o mundo é confiança - e, sobretudo, confiança entre as instituições financeiras, que não emprestam umas às outras porque receiam não ser ressarcidas desses financiamentos. Ora confiança é um produto que não está à venda no mercado. É algo que demora muitos anos a construir mas que se esfuma em pouco tempo. E, como é óbvio, quando os cidadãos vêem que, apesar dos esforços dos bancos centrais de todo o mundo e das declarações dos dirigentes políticos garantindo não estarem em risco os depósitos dos clientes, a situação continua a piorar, começam eles próprios a desconfiar da solidez do sistema e se as suas poupanças estão efectivamente a salvo.

Como diz Daniel Bessa nesta edição, esta crise é diferente porque vem do coração do sistema financeiro. Porque activos que ontem valiam milhões, hoje valem centenas. Porque instituições que pareciam ser de uma solidez a toda a prova entraram em colapso por falta de liquidez para cumprir os seus compromissos. Porque a desconfiança na solidez das instituições está a levar a uma situação extraordinária, a das pessoas guardarem de novo dinheiro em casa.

Esta semana participei num seminário sobre financiamento imobiliário no centro do país. Estavam presentes mais de 250 mediadores imobiliários, a quem a vida não está manifestamente a correr bem. Havia alguns que não intermedeiam a venda de um apartamento ou vivenda há mais de seis meses. Uma reportagem na RTP mostrou também que a venda de habitações para a classe média está estagnada. Só se vende habitações mesmo muito caras ou apartamentos muito pequenos.

Esta crise, que começou no sistema financeiro, atingiu já brutalmente a economia real em todo o mundo. Como sair disto, eis a questão. Duas sugestões, uma de um ficcionista, outra de um economista.

O ficcionista, Tom Clancy, relata num dos seus livros, 'Dívida de Honra', uma situação muito semelhante à actual. Método que propõe para a resolver: o entendimento planetário das autoridades monetárias para suspenderem o funcionamento das bolsas em todo o mundo durante 15 dias. É o tempo necessário para os ânimos esfriarem, para todos os agentes do sistema perceberem que têm de agir racionalmente sob pena de nos afundarmos todos, para fazer rearranjos entre instituições financeiras e empresas. Ao fim de 15 dias, diz Clancy, a situação começa a melhorar, a tranquilidade regressa e o mundo entra de novo na normalidade.

A sugestão de Raghuram Rajan, economista-chefe do FMI entre 2003 e 2006, citado pelo 'Jornal de Negócios', é de lançar uma operação de recapitalização eficiente das instituições financeiras que podem ser salvas, mediante a injecção de dinheiros públicos e privados. É claro que isso implica salvar uns bancos e deixar cair outros - e esse é um ónus que os bancos centrais não querem suportar. Mas em tempo de guerra há sempre mortos e feridos.

Uma coisa é certa: se os bancos centrais não dão um passo em frente, que definitivamente trave este processo, é a sua própria autoridade e capacidade que ficam postas em causa. E quando a casa está a arder, sermos confrontados com a impotência dos bombeiros para apagar o fogo é descoroçoante. Perde-se a casa. E o respeito que tínhamos pelos bombeiros também arde.

Incapazes de pagar a bebedeira

Temos de reconhecer que, nos últimos anos, o mundo se embebedou de crédito e viveu uma orgia de consumo. Como em tudo, há um dia em que chega a factura. E é aí que muitos descobrem que gastaram mais do que deviam e que não podem pagar o que adquiriram. Por cá, temos agora os números da desgraça. O incumprimento total dos particulares em Julho de 2008 era de €2.734 mil milhões. Em relação ao mês anterior, a factura cresceu €84 milhões, o que quer dizer que a cada dia de Julho os portugueses deixaram de pagar à banca €2,7 milhões de compromissos que tinham assumido. Nas empresas, o aumento do incumprimento é de €1,9 milhões por dia, atingindo 2.131 mil milhões. Ou seja, a festa acabou e a ressaca vai ser violentíssima.

Quem nos elogia

O mercado português não é o mais importante para a Microsoft. E não é aqui que a empresa liderada por Steve Ballmer faz o grosso da sua facturação. Por isso, temos de acreditar em Ballmer quando diz que o plano desenvolvido pelo Governo português no sentido de dotar de um computador todos os alunos, dos 6 aos 10 anos, é único e não existe em nenhum outro ponto do globo. E compreendêmo-lo muito bem quando exclama. "Eu acho que sou a pessoa que acha mais incrível de todas as pessoas deste país!". Na verdade, mr. Ballmer, nós achamos que 1) nunca fazemos nada bem feito; 2) quando fazemos, achamos que é propaganda; 3) nunca acreditamos que podemos estar à frente de todos. É a nossa natureza.

Nicolau Santos