Comendador Marques de Correia - Cartas Abertas

Breve explicação sobre o que é o off the record na política e no jornalismo em Portugal

3 abril 2010 0:00

Comendador Marques de Correia (www.expresso.pt)

Onde o nosso Comendador, socorrendo-se de um exemplo verdadeiro passado há muitos anos, explica de forma assaz simples por que motivo nove em cada dez políticos preferem o "off the record".

3 abril 2010 0:00

Comendador Marques de Correia (www.expresso.pt)

Pediram-me para eu explicar, neste breve espaço, o que é o off the record na política e no jornalismo portugueses. Não encontrei melhor maneira do que contar uma história que se passou há muitos, muitos anos. Qualquer relação com eventuais assuntos que estejam hoje na ordem do dia é mera coincidência e desde já rejeito qualquer responsabilidade. Daqui para a frente, tudo o que escrevo é em off.

Um dia, certo membro de um gabinete de um homem muito influente neste país acercou-se de um jornalista e perguntou-lhe se queria conhecer todos os segredos da política do país. O jornalista disse que sim. Mas a fonte colocou uma condição: tudo deveria passar-se em rigoroso off. E o jornalista disse que sim, que saberia tudo, embora ficasse a saber tudo em off. Então, esse membro de um gabinete de um homem importante disse tudo: o que este e o outro faziam, o que aquele ganhava, o que o outro traficava, o que aqueloutro mentia, e, de um modo geral, mostrou que estava tudo mal e que tudo precisava de levar uma grande volta, porque - enfim - estava tudo errado!

- E agora escreva isso mesmo!

Mas o jornalista perguntou-lhe:

- Como posso escrever se o senhor membro do gabinete me disse tudo em off? Quem posso citar?

- Cite a Oposição...

- Mas se o senhor não é da Oposição, como posso eu citar alguém da Oposição?

- Você é parvo? - O jornalista era um bocadinho. E o do gabinete continuou: - Se eu lhe disse que isto é em off é para você não me atribuir essas revelações a mim, mas sim a outra pessoa. Deste modo, eu cumpro os meus objectivos sem ninguém perceber que sou eu quem está por detrás da maquinação, compreende?

O outro disse-lhe que compreendia, mas insistiu:

- Mas depois vão pensar que a maquinação é de alguém da Oposição...

E o membro do gabinete atalhou:

- E isso é mau? Quer dizer, isso chateia alguém? Não chateia quem é citado, porque está a dizer mal do Governo, e a Oposição gosta de dizer mal do Governo... e não me chateia a mim, porque ninguém vai pensar que, atribuindo umas ideias a alguém da Oposição, eu possa estar envolvido. É ouro sobre azul.

O jornalista ainda objectou:

- Mas é mentira!

- Ah, você chegou de Plutão? Não sabe que a mentira é uma coisa relativa? E, na verdade, não é mentira, uma vez que, estando eu a dizer-lhe estas coisas, estou a actuar em benefício da Oposição, pelo que posso ser classificado neste momento como uma fonte da Oposição.

Baralhado, o jornalista insistiu:

- Se eu publicar isto amanhã, qual vai ser a sua reacção?

- Um desmentido total e absoluto, dizendo que isso é uma maquinação de gente sem escrúpulos!

- Mas foi você que me disse isto tudo!

- É off, você não se esqueça que é off!!!

- Mas consegue desmentir uma coisa que foi você mesmo a dizer?

- Claro, qual é o problema?

- A consciência?

- Não tenho. De qualquer forma, não se esqueça, denuncie-me esses podres, espalhe a dúvida e não leve a mal o desmentido que vou fazer. Já o tenho aqui escrito e é de rebimba o malho!

E assim foi.

Texto publicado na edição da Única de 27 de Março de 2010